CIRURGIA DE FIMOSE
O capitão médico me colocou no excesso de contingente com a recomendação de que eu deveria procurar um médico para operar a fimose.
- Muito cuidado rapaz, porque se você expuser a glande e tiver uma ereção vai estrangular e você pode perder o pênis.
- O quê doutor?
- Se você botar a cabeça do cacete prá fora quando ele estiver duro, estrangula e vai ter que cortar. Você vai perder o pau.
- Ah! Entendi.
Saí do quartel com aquilo martelando dentro da cabeça. Se eu perdesse o pau o que ia ser de mim? Para que serve um homem sem o pau? Fica igual à vassoura sem cabo. Não serve para nada.
No bairro em que eu morava tinha um médico com o consultório em casa. Por ser local afastado e com dificuldade de transporte, todo e qualquer problema era resolvido pelo Dr. Zezito. Ele era um sujeito baixo, gordo, careca. Usava óculos de grau bem forte com as lentes de fundo de garrafa e atendia a qualquer hora do dia ou da noite no verdadeiro exercício sacerdotal da profissão.
Os pagamentos das consultas feitas pelas pessoas menos abastadas, muitas vezes, eram feitos com galinhas, perus, porcos e até cabritos tanto que o quintal do doutor mais parecia uma fazenda, mas independentemente da condição financeira do paciente, o doutor atendia a todos com o mesmo desvelo.
Quando o doente não podia sair da cama, ele ia às casas e quando via que o caso não tinha mais cura, passava na casa paroquial e avisava ao padre, seu companheiro de gamão, que era a vez dele entrar em ação.
A atendente do doutor Zezito era Filó, sua filha mais velha que havia feito um cursinho de auxiliar de enfermagem e era também responsável pelas aplicações de injeções, retiradas de pontos e curativos.
- É meu jovem. Seu caso é mesmo para cirurgia. Vou lhe encaminhar para um colega que vai corrigir isso e lhe deixar pronto para casar.
Eu ainda estava nu deitado na mesa de exame quando Filó entrou na sala. Ela fez de conta que não estava me olhando e saiu dizendo que voltaria depois.
O doutor fez as anotações em minha ficha e redigiu, numa folha do receituário, um bilhete para o Dr. Costa, médico urologista que tinha consultório no centro da cidade.
- Vá ainda hoje ao consultório do doutor Costa.
Isso era terça-feira. Na quarta, logo cedo, eu estava com o Dr. Costa que marcou a cirurgia para seis horas da manhã da quinta.
Conforme a recomendação, cheguei as cinco ao Hospital Geral. Na ante-sala do bloco cirúrgico já tinha dois homens.
Um deles com o saco do tamanho de uma bola de futebol e o outro, impaciente, andando de um lado para outro reclamando da dor por conta da varicocele. Estávamos os três vestidos com aquela bata com cadarço nas costas que deixa as bundas de fora.
O anestesista abriu a porta e perguntou:
- Estão em jejum? Qual é a cirurgia que vão fazer?
Balançamos afirmativamente as cabeças e o da bola de futebol disse – hidrocele; o outro – varicocele e eu, timidamente, disse fimose.
- Venha você.
O da varicocele, mais pálido que um cadáver, foi o primeiro a entrar. Talvez hora e meia depois, foi a minha vez.
O ambiente é aterrador. O primeiro estava numa maca, com máscara de oxigênio, tomando soro, coberto do umbigo aos joelhos com o lençol verde. Agora ele estava com cor de gente.
O Dr. Costa perguntou:
- Tudo bem? Na sua última refeição ontem, ainda tinha luz do sol?
Balancei a cabeça.
- Fala homem! Estás com medo?
- Eu ainda não saí correndo daqui porque estou nu. Eu estou apavorado com tudo isso. Esse cheiro é horrível.
Todos riram dentro da sala e o cirurgião disse ao anestesista.
- Dá um cheirinho para esse cabra frouxo dormir.
A essa altura eu estava deitado na mesa, com o braço estendido numa tala, com a bata levantada acima do umbigo e a auxiliar passando um líquido amarelo e gelado na parte interna das coxas, saco e pênis.
Quase grito de dor quando o líquido bateu no púbis raspado pelo enfermeiro com aquele estojo descartável da lâmina cega.
O anestesista aplicou alguma coisa na veia do braço estendido e a sala desapareceu num ponto luminoso como se fosse tela de televisão quando falta energia.
Quando acordei estava na enfermaria com o soro gotejando para dentro de minha mão esquerda e com a bolsa de gelo sobre a cirurgia. Não sentia dor apesar do incômodo daquele frio intenso. Fechei os olhos e quando acordei novamente já era noite.
No jantar, a sopa era intragável. Café com leite, pão e manteiga.
O enfermeiro da noite me mandou tomar um punhado de comprimidos e trocou a bolsa de gelo.
É muito dificil urinar no papagaio. Parece que vai molhar a cama toda. Mais constrangedor por ter o pênis na mão do auxiliar de enfermagem, homossexual, dizendo com todo exagero:
- Seu pau vai ficar lindo, meu gatão.
Na manhã seguinte acordei com o Dr. Costa retirando a gaze do curativo.
- Depois do café você pode ir para casa. O Dr. Zezito cuida do resto. Até completar um mês só pode usar para urinar. Entendeu?
Na cama ao meu lado o homem da hidrocele estava irreconhecível sem a bola de futebol entre as pernas. Agora do saco reduzido, saia o dreno para a bolsa coletora.
O café da manhã foi uma banana, pão com manteiga e café com leite. Antes de sair do hospital, na solidão do sanitário, de pé, sem a bichinha auxiliar de enfermagem, urinei tudo o que não havia conseguido nas tentativas com o papagaio.
No trajeto para casa, senti o curativo molhado e fui direto para o consultório do Dr. Zezito que, auxiliado por Filó, renovou o curativo. Como não tinha como me esconder daquele vexame, fechei os olhos.
- Pronto meu jovem. Vá para casa repousar. Volte amanhã para ver se ainda há necessidade de outro curativo. Use bolsa de gelo e se sentir dor, tome um comprimido desses de quatro em quatro horas. Faça tudo para não ter ereção para evitar hemorragia. Se tiver algum problema mande me chamar. Use bastante gelo.
Por todo o dia continuei colocando a bolsa de gelo porque além de aliviar o incômodo da cirurgia, inibia os estímulos à ereção.
Dormi várias vezes até a manhã do sábado. Logo cedo fui ao consultório do doutor. Ele tirou o curativo e disse que eu deveria tomar banho normalmente, mas que usasse sabão neutro.
Quando completou uma semana, dois pontos, que deveriam ter caído com os demais, estavam coçando muito e eu fui falar com o doutor Zezito.
Depois do exame ele mandou Filó retirar. Senti o chão fugir de debaixo dos pés quando ela disse:
- Vamos para a sala de curativo. Pendure a calça no cabide, deite na mesa e baixe a cueca.
Sem alternativa, obedeci.
(continua em Filó)