O Caso do Falar Tudo Conforme a sua Consciência

O Caso do Falar Tudo Conforme Manda a Sua Consciência

I

Vou contar uma história ocorrida comigo na época em que eu comecei a advogar. Eu e mais três colegas recém formados alugáramos uma pequena saleta com pouca luz e quase nenhum oxigênio nos fundos de um edifício próximo à Justiça do Trabalho do Barro Preto.

Todos sabem que os bacharéis e os advogados recém formados costumam passar por alguns percalços e dificuldades após a formatura: falta-nos naquele momento um elemento essencial à nossa atividade jurídica: a clientela. Por outro lado, sobra-nos aquilo que a juventude tem de melhor e mais valioso: força de vontade, crença e esperança em dias melhores.

Os clientes, entretanto, aos poucos vão chegando. Muitas vezes eles vêm indicados por amigos, colegas, ou parentes. Outro aspecto daqueles primeiros tempos reside no fato de que a insegurança no início de nossas atividades judicantes muitas vezes nos faz reféns do medo ou do receio de fazermos algo errado ou danoso nos processos em que atuamos.

Pois foi algo desse tipo que aconteceu comigo num dos primeiros casos trabalhistas no qual tive a honra de atuar e exercer tudo aquilo que houvera aprendido nos anos anteriores com meus admiráveis mestres.

Nos próximos capítulos, buscarei relatar tudo o que passei naquele caso.

II

Eu e o reclamante já nos encontrávamos sentados num dos bancos de madeira que guarneciam a ante-sala da sala de audiências daquela 29ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Perto de nós já se havia apresentado duas das três testemunhas que trouxéramos naquele dia para provar as horas extras praticadas pelo autor naqueles oito meses em que trabalhara para a ré. Esperávamos apenas a chamada das partes pelo datilógrafo e o início da audiência.

Enquanto permanecemos ali fora conversamos sobre os assuntos mais variados possíveis, até que uma das testemunhas me perguntou se lhe seria dada alguma recomendação em relação ao que ela deveria dizer para o meritíssimo quando se visse diante dele.

Lembrei-me naquele momento dos preciosos ensinamentos ministrados pelo prezado professor Cardoso e, com muita responsabilidade, voltei-me para o homem e disse:

- Você deve falar tudo conforme lhe mande a sua própria consciência! Nada a mais e nem a menos...

Ela se deu por satisfeita com aquela resposta que eu lhe havia dado e o assunto voltou a girar em torno de um automóvel velho que eu pretendia comprar. Morando próximo ao Carrefour de Contagem, ficava bastante difícil estar no Barro Preto todas as manhãs às oito horas para participar de audiências ou receber os novos clientes no escritório. Aquele carrinho, apesar de velho e meio caquético, seria mesmo uma “mão na roda” para mim. Daí a pouco, entretanto, o datilógrafo fez a chamada das partes e deu-se início à audiência.

Pois foi exatamente aí que aconteceu o pior.

Ou talvez seja mais correto dizer: e foi aí exatamente que aconteceu o melhor.

III

Mal o juiz começara a interrogar a referida testemunha com quem estivera dialogando ainda a pouco naquele corredor da Justiça do Trabalho, o procurador da reclamada solicitou a palavra ao juiz e disse ter ouvido claramente o outro procurador – isto é, euzinho da silva – instruindo a referida testemunha a respeito do que ela deveria ou não dizer.

Meu Deus – pensei – eu de fato conversara bastante com aquela testemunha e com o reclamante. Estivéramos lá fora por cerca de trinta minutos e o papo versara sobre muitos assuntos. Nesse momento eu me senti meio que no ar e completamente entregue nas mãos do advogado oponente. Aquele me pareceu ser mesmo o advogado do diabo.

Foi então que o meritíssimo voltou a se dirigir para a testemunha e perguntou:

- O senhor confirma que esteve conversando com este advogado - e apontou o dedo indicador diretamente na minha direção, como se estivesse me acusando. Assim pelo menos eu o senti naquele momento.

- Sim, eu confirmo, volveu a testemunha sem demora.

- E sobre o que conversaram?

- Bem, falamos inicialmente sobre um Chevetinho velho que o advogado deseja comprar. Ele me disse que anda meio sem recursos e...

Nessa hora com certeza eu devo ter ficado com o rosto rubro de vergonha. As pessoas ali presentes – o senhor juiz, o advogado e o preposto da empresa - não precisavam saber tão claramente acerca das minhas atuais dificuldades financeiras.

Entretanto, imediatamente o juiz prosseguiu em sua inquirição:

- E depois?

- Depois trocamos umas idéias sobre duas senhoras que se encontravam sentadas num outro banco diante de nós: era um lindo par de advogadas, uma loira e a outra morena. Nesse momento, porém, ouvimos a chamada feita pelo datilógrafo e nos apressamos a entrar na sala de audiências.

- Então foi apenas sobre isso que conversaram enquanto se encontravam lá fora no saguão do prédio?

Nesse momento eu engoli em seco e calculei que talvez o pior ainda estivesse por vir. Que Deus me ajudasse e me iluminasse, requeri em silêncio ao Divino.

- Bem, senhor juiz, pouco antes de entrarmos ainda encontrei um tempinho para perguntar ao advogado sobre o que eu deveria falar na presença de vossa excelência...

- E o que ele lhe respondeu, insistiu o juiz.

- Ele me disse apenas que eu deveria responder a todas as perguntas que o senhor me fizesse. E que eu respondesse o que soubesse quando de algo soubesse e que não o sabia quando desconhecesse o fato. Mas que tudo deveria se dito exatamente conforme determinasse a minha própria consciência...

Nesse momento suspirei de alívio e agradeci a todos os anjos, santos e apóstolos do Senhor. Em seguida dei uma bela olhada na direção do outro advogado. Ele mantinha o cenho fechado e me pareceu bastante desapontado com tudo aquilo.

Mas eu... bem... devo confessar para vocês que lá no fundo - bem no fundinho da minha alma – eu sorria debochadamente...

Luís Antônio Matias Soares
Enviado por Luís Antônio Matias Soares em 20/08/2010
Código do texto: T2448549
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