O FAZENDEIRO E O CAPETA
A muitos anos atrás, quando o interior do estado ainda era conhecido como sertão, num pequeno povoado perdido neste mundo de meu Deus morava um velho fazendeiro, muito rico, muito poderoso, o homem tinha fazendas esparramadas por toda a região, dizem que ao todo passava de meia duzia, sem contar as propriedades que tinha na cidade grande e na capital. Apesar desta fortuna toda, o homem levava uma vida modesta e o lugar que mais gostava era a pacata cidadezinha donde nasceu e ali o danado se sentia a vontade, não gostava de falar de sua fortuna e muito menos de seus familiares, a esposa e os filhos nunca foram vistos na região.
O homem não era uma pessoa de má índole e por causa desta fortuna toda sobre o dito cujo recaia um comentário, diziam os mais antigos moradores do lugarejo que o infeliz nascera pobre, seus pais não tinham um gato pra puxar pelo rabo, nasceu e cresceu na maior miséria e assim viveu até a sua juventude quando, diziam as más línguas, o ambicioso homem fez um trato com o coisa ruim, a partir deste momento, as coisas na vida dele mudaram da água para o vinho, aos poucos foi adquirindo bens, as propriedade vizinhas eram vendidas para o homem e para ajudar nos seus negócios, uma geada assolou a região, os plantadores de café descontentes, preferindo arriscar a sorte na capital, acabaram vendendo suas terras tão barata que diziam que haviam entregado a bacia das almas, verdade e que em pouco tempo o homem se enricou de tal forma que é difícil calcular o valor de seu patrimônio.
Não só pela riqueza em si, mas pelo boato do famigerado pacto com o capeta, que o homem gostava de deixar bem claro que fizera este trato e que o demônio daria a ele a vida eterna, afirmando com convicção e todo sorridente que iria ficar no mundo pra semente por isso não se preocupava com nada, nem com os dizeres das beatas que viviam atazanando sua vida com referencia a religião nem com a mentalidade do povo simples da região que acreditavam piamente em suas palavras, embora não sendo uma pessoa má, apesar de incrédulo ate a ultima gota, os sertanejos depositavam no Nho Tonico toda confiança, sua palavra era lei, ninguém contestava, assim se o Nho Tonico falou, ta falado e pronto.
Vai daí que certo dia correu pelo bairro a noticia que o velho ficou doente, também pudera o homem já havia passado e muito dos noventa anos de idade, a principio os sertanejos não acreditavam pois isso ia contra o conhecido e falado trato com o excomungado e tinham certeza que o todo poderoso do Nho Tonico jamais iria morrer, mas como boato é boato e o costume era visitar as pessoas acamadas, depois de algumas visitas, ai ninguém mais segurou o povaréu, a noticia espalhou como fogo em palha seca que o fazendeiro estava muito doente e toda noite lá estavam uma dezena ou mais de compadres comprometidos com o lendário homem na tentativa de ajudá-lo a passar a noite, visto que realmente o homem aparentemente encontrava prestes a morrer.
Numa destas noites, lá na cozinha as beatas recitavam o rosário em intenção ao ateu, clamando a Deus para com aquela alma sofrida e para que na sua infinita misericórdia o libertasse de tal juramento, ao redor do leito os homem quase que cochilavam ao clarão de uma lamparina de querosene apoiada sobre um suporte na parede do quarto do enfermo, quando ouviu o barulho de um tropel. Os homens despertaram do sono, a reza silenciou na cozinha e instantes depois entrou no quarto um estranho homem de capa preta, não cumprimentou ninguém, debruçou sobre a cama do moribundo, pegou-o no colo e da mesma forma que havia entrado, saiu carregando o velho fazendeiro nos braços, ninguém ali teve coragem para se opor e dizem que chegaram até a sentir um cheiro terrível de enxofre no ar, o estranho saiu pelo terreiro, sumiu na escuridão da noite, ouviu-se o barulho do tropel se afastando e no contraste entre o céu estrelado e a terra, na linha do horizonte por onde passava o estradão, puderam ver a silueta de uma carruagem que desapareceu atrás dos montes.
Chicó, um pobre coitado que vivia bêbado pelos botecos porem velho companheiro do fazendeiro desde os tempos da infância e com quem não tinha segredos, garantia que foram os próprios filhos, todos doutores na capital, que sabendo da fragilidade da saúde do pai, enviaram naquela noite pessoal de confiança para levar o velho turrão até eles, visto que este não queira se mudar para a cidade grande de jeito nenhum. Conta meu avo que os sertanejos não deram credito Chicó e afirmavam de pé junto que foi o próprio capeta que veio buscar o velho ainda em vida conforme prometerá e verdade ou não, só se sabe que nunca mais tiveram noticias do fazendeiro.