O Cotidiano da Vida

Parte I

Péterson não tinha mais que meros vinte e cinco anos de idade, recém feitos, num quinze de agosto, com chopes gelados e um rock no rádio. Volta e meia sentenciava-se, sentindo-se um velho caquético. Suas costas doíam, bem na coluna lombar, as pernas e os pés e os ombros também. Mas sabia, ah sabia, era um jovem promissor repórter do jornal Diário Serrano. O repórter Peterson. Todos conheceriam, um dia. Seria jornalista do jornal Zero Hora. Ou quem sabe editor. Tomaria o lugar do David Coimbra, o mandaria ser seu secretário, ele e o professor Ruy Carlos Ostermann e o Mário Marcos. Comandaria o caderno esporte. Ah comandaria. Era de um tipo magro, alto, curvado, cabelos negros, sardas no rosto e um semblante munido de espinhas adolescentes. Pô! Não era mais um adolescente. Passara já a tempo dessa fase. Era um repórter. O repórter Peterson Ramos, do Diário. De onde surgem as espinhas? Isso o irritava. Não era um Brad Pitt, nem muito menos um Tom Cruise, sabia bem, mas não era um tipo feio. Era inteligente, repórter, seria escritor. Um dia seria escritor. Daria autógrafos para uma fila com milhares de fãs extasiados com faixas na cabeça e gritando seu nome. A maior parte mulheres, apaixonadas. Sim. E a inteligência é fundamental para a conquista de loiras robustas de pele bronzeada e pernas torneadas e olhos azuis. Peterson e sua inteligência, sua sabedoria. A obra e seu criador. Arrancaria suspiros e frios na barriga de todas que cruzassem seu caminho. As bonitas e as meia boca. Lógico. Se referia a essas. As mais ou menos e as feias eram desprezadas, por essas Peterson não respirava. Desprezava mulheres feias. Vinícius de Moraes tinha razão, beleza é fundamental. Não que as feias e as mais ou menos não tivessem serventia. Até tinham. Serviam bem para uma segunda feira com chuva e fins de festas frustradas. Pra isso é que serviam. As meia boca eram do tipo que chamava boa de bunda e feia de cara, ou vice e versa. Essas eram perigosas. Por experiência própria nunca abordava mulheres que estivessem sentadas. Não sabia o que poderia vir ao levantarem. Rostinho bonito, olhos azuis com olhar sedutor e meigo, e quando levantam parecem hipopótamos em corrida buscando água, ou elefantes sedentos por um pé de alface verde. As exuberantes, mulheres acima da média, as melhores e mais belas que todas, essas eram um sonho utópico, que Peterson cultivava paixões e fantasias sexuais sozinho minutos antes do banho. Essas mulheres são muito fáceis de se apaixonar. Você sai uma noite, elas com sorrisos fartos de dentes brancos, todos os homens do mundo a olhando, ela desfilando a seu lado, pele lisinha, andar com um requebrado de quadris, salto alto, vestidinho preto colado ao corpo. Ah, mulheres assim só usavam homens como Peterson. Depois do uso, como papel higiênico, era jogado no lixo esmagado, humilhado. De lambuja as mulheres acima da média são almejadas por todos. TODOS sem exceções. Ao irem no supermercado são paparicadas, na padaria, paparicadas, pegando lotação, paparicadas, abastecendo o carro, paparicadas. Eis que de tanto tormento e propostas amorosas essas mulheres exuberantes e acima da média caem em tentação, e homens como Peterson são guampeados na dura sorte, sem dó. Daí morrem apaixonados feito um Romeu, tristes, nostálgicos, vendo nuvens negras em céus ensolarados e azuis. Vida triste esta. Na verdade nunca ficara com uma acima da média. Apenas as ostentava.

..

continua.