Plantando cedo para colher mais tarde

Era um começo de tarde, quando minha mãe e eu chegamos ao povoado de Sabonete para fazer uma visita à dona Joana, sua comadre. Quando nos aproximamos da casa, três meninas completamente nuas e descalças, saíram à porta correndo em nossa direção. Pararam e pediram a bênção a minha mãe. Pareciam três indiazinhas. Mas não eram... nem eram crianças abandonadas. Estavam bem na porta de sua casa. Elas eram filhas da dona Joana.

As meninas eram as irmãs Maria, Lídia e Eulália. Maria, a mais clara das três tinha cabelos pretos e longos. Lídia e Eulália eram morenas e cabelos encaracolados. Todas eram filhas do mesmo pai e da mesma mãe. O pai era claro, tinha o cabelo liso, a mãe, Dona Joana era uma morena de cabelos encaracolados. Maria, afilhada de minha mãe, foi a primeira a nascer e talvez já tivesse naquela época, completado doze anos. Lídia era a do meio e devia ter dez e Eulália, a caçula, penso que tinha oito.

Imaginem a cara da minha mãe quando viu as três meninas nuas. Ela, que era muito religiosa e cheia de princípios. Sua primeira reação foi de indignação. Depois ficou furiosa:

-- Como pode a comadre permitir que as meninas andem peladas por aí? -- É um absurdo!

Minha mãe era professora na cidade, mas tinha um poder enorme sobre aquelas pessoas e gostava de ajudá-las. Seus conselhos eram fielmente seguidos por todos na região. Consultavam-na a respeito de religião, educação de filhos, casamento e até política. Por isso fiquei imaginando o que ela iria dizer a sua comadre sobre a nudez das meninas.

Dona Joana logo que nos viu, veio ao nosso encontro com ex-clamações de surpresa e alegria:

--Olha quem chegou! A comadre!

As meninas se aproximaram de nós sem sequer preocupar com a nudez. Nem se incomodaram com aquele olhar de reprovação da minha mãe. Depois dos cumprimentos e abraços de sempre, minha mãe falou

--Toma jeito comadre!--Você não pode deixar as meninas andar peladas, por aí, desse jeito. Elas já estão ficando mocinhas. Alem de ser muito perigoso é um pecado mortal.

Dona Joana, tentou disfarçar, mudando de assunto:

-- Vamos entrar comadre! Vamos tomar um café.

Entramos e sentamos em volta da mesa da cozinha. Como ninguém era de ferro e a viagem foi longa, tratamos de nos esbaldar com café, pão de queijo e, para coroar com os bolos acomodados na travessa. Comemos de tudo, sob o olhar curioso daquelas meninas, agora só de calcinhas. Estavam deliciosos! Mas minha mãe insistia nas recriminações e jogou falação para cima da comadre. Tirar a inocência das crianças é um dos piores pecados. Não tem perdão nem nesta vida nem na outra

Vendo que minha mãe não mudaria de assunto, Dona Joana sorriu e triunfante falou:

-- Olha comadre! Crio minhas filhas para casar. Eu as deixo andar nuas, é para despertar as influencias, desde cedo.

De fato. Decorreram-se mais alguns anos e todas as filhas de dona Joana estavam casadas com bons maridos e encheram-na de netos.

Minha mãe contava esta historia com um sorriso suave no rosto, como se comemorasse o resultado final das artimanhas de dona Joana para casar as filhas.