Tomara que caia
Tomara que caia
— Só pode ter sido olho gordo de alguma invejosa!
— Não acredito nisso; sou médico.
— Bem que eu senti alguém me olhando! Sabe como é, doutor? Aquela sensação esquisita.
— Acho que é impressão sua.
— Então, doutor, me explica como foi que caí?
— Você precisa tomar mais cuidado, olhar por onde anda. Essas coisas básicas.
— Sempre tomo cuidado!
— Isso pode acontecer com qualquer um...
— Mas não é qualquer um que quebra o nariz! Aiiiiii... como dói, doutor!
— É verdade...
— Só pode ser inveja! Sabe como é, doutor? Mulher quando seca a outra... Ai, dói muito...
— Toma esse analgésico que a dor vai passar rapidinho.
— E continuarei esfolada, de unha quebrada e nariz torto! Sabia que pensamento tem força, doutor? Odeio gente invejosa!
Coitada da moça! Caiu na rua e não sabia dizer se tropeçou, escorregou, voou ou despencou; só sabia que tomou um tombo, esfolou as mãos, os joelhos, quebrou três unhas e o nariz.
Era muito bonita — muito bonita mesmo. Com a beleza dinâmica da juventude: cabelos castanho claros com cachinhos caindo pelos ombros, morena jambo, saboneteiras — tão raras hoje em dia —, esbelta, olhos meigos da cor do mel, semblante altivo, de andar agateado e a silhueta parecia desenhada com técnica especial. Para ocultar o melhor da formosura, envergava um audacioso “tomara-que-caia” branco.
Ela descia a rua quando a vi. Parecia que tudo ao redor havia parado e só ela flutuava. Uma voz lá no fundo da minha mente gritava: “Tomara que caia! Tomara que caia!”
De repente ouvi um grito e um barulho. A moça havia caído.