Desatino
Ela, havia meses, consumia-se numa indecisão sobre a vida que levava. Estava entediada com um casamento longo, sem novidades, mergulhado mais na amizade do que em outros sentimentos que ela considerava essenciais para manter uma relação amorosa. Ansiava por VIVER, escrito assim, com letras maiúsculas, garrafais, pois não admitia apenas levar a vida, como quem carrega um fardo. Queria muito mais do que tinha, embora já fosse daquelas pessoas privilegiadas, pois não lhe faltava boa aparência, saúde e uma condição financeira estável. Ela não sabia bem o que queria, só sabia que queria já, agora !! Era sempre uma angústia dentro do peito, que não tinha quem desse conta, muito menos ela mesma. Para ela, a solução existia e ela estava resolvida a encontra-la . Muitas vezes, repensava todos os passos importantes que dera no passado, se valeram a pena, se foram corretas as escolhas...ainda não chegara a uma conclusão, mesmo pesando os prós e contras de cada decisão.
Às vezes, queria fazer uma longa viagem, outras vezes, queria um amor arrebatador, talvez um filho fosse a solução de seus problemas... e assim, as pretensas soluções chegavam e partiam de sua mente como passageiras de um trem sem destino. O que fazer, como fazer ? Só sabia que não havia mais tempo para enganos.
Resolveu a primeira questão : pôs um ponto final no relacionamento acomodado e desgastado. Agora, estava desimpedida para testar suas teses de felicidade. Começou pelo mais fácil, que era a longa viagem. Primeiro, curtiu uma praia paradisíaca por semanas e depois foi em busca da sua verdade interior num templo indiano. Os meses passaram e ela sentiu-se até melhor, mas foi só voltar para casa que as dúvidas voltaram a atormenta-la. Enfim, como não podia passar o resto da vida viajando, definitivamente aquela não seria uma solução viável.
Decidiu que não se pode correr atrás de um amor arrebatador, isso após quebrar a cara com uns três relacionamentos sem grandes sentimentos. Nesse caso, teria que esperar pelo dedo certeiro do destino, mexendo os pauzinhos, para que o “grande encontro” acontecesse.
A hipótese do filho, ela logo descartou, pois se buscava a liberdade, a felicidade, não poderia querer projeta-la em outra pessoa, antes de encontra-la em si mesma.
Desapontada, viu que tinha voltado a estaca zero. Passou a levar-se na rotina, dia após dia, exatamente como nunca desejara. Talvez, viver não fosse mais a solução. Talvez, a agonia de sua alma não tivesse cura. Agora, ansiava por MORRER e buscava a melhor forma, o momento ideal. Em seus delírios de morte, sentia-se plena.
Num domingo, dia de certeira melancolia, sentou-se na varanda de sua singela casa na praia. Ali, o mar apresentava-se majestoso e belo, logo a sua frente. O cheiro da maresia invadia suas narinas e ela sentiu a pele grudar com a névoa que escapava das fortes ondas. Definitivamente, aquele era um momento muito especial. As dezenas de pequenas, quase insignificantes pílulas desciam-lhe pela garganta sem causar-lhe incômodo algum. Pelo contrário, a serenidade invadia-lhe a cada instante. Apenas um pensamento conseguia permanecer em sua mente : Havia descoberto um caminho. Estava indo ao encontro de sua paz e ninguém seria capaz de impedi-la, muito menos seu coração em leve descompasso ou sua mente exaustivamente atormentada.