CHICO DO BUTECO DA SEIS

Sou Francisco de Assis Silva, conhecido como Chico das seis ou Chico do buteco das seis. Inicio da década de 60 conheci Maria da Rosa Pinto, vindo mais tarde a se chamar dona Rosa de Chico. De tal dia não esqueço: Sentado na calçada do meu “buteco das seis” com um pente em forma de garfo ajeitando a cabeleira, fui anestesiado aos olhos e perdi o fôlego ao seu passar tão mágico.

Soube que havia se mudado há pouco para aquela mesma rua que eu havia nascido. Também que era solteira e tinha pouca idade, observei com muita cautela os gaviões que tentavam incessantemente dá o bote. Nada falei até ela me pedir um refresco, então não parei de falar sobre minha vida, na tentativa de uma aproximação mais íntima fechei o buteco e fui deixá-la em casa. Nesta noite nada aconteceu.

Rosa sempre foi, desde muito cedo, muito admirada entre os homens pela simpatia e beleza, sabia entrar e sair no salto, e até tinha estudo. Passou a ser a razão dos meus dias desde o primeiro momento que nos vimos. Começamos a namorar escondido de seus pais e da vizinhança, nesta época fiz mais de 100 músicas em sua intenção com meu violão de aço. Não demorou muito para todos da rua tomar partido de namoro e, posteriormente a sua família. Tentaram romper o romance, e pude perceber o quanto Rosa era decidida. Empurrando-me contra a parede perguntou o que tinha para oferecê-la. Falei bastante orgulhoso do meu barracão e bar, e de como dedicaria todo meu amor. Rosa disse que aceitava se casar comigo, mas nunca lhe dei um nome, apenas nos juntamos. Janaina e Jonas foram as melhores conseqüências desse tempo. Todo meu patrimônio foi transcrito para ele, em cartório.

Depois do nascimento do segundo filho, Jonas, o problema com o alcoolismo se intensificou. Bebia todos os dias e mal trabalhava. O bar quase chegou à falência se não fosse por dona Rosa. Que nesta época conheceu o Dr. Leônidas Silva, apesar de Silva como eu, não era burro. Formado em engenharia na universidade de São Paulo, era novo e bem analisava o quanto fazia bem à minha mulher. Passei a beber cinco vezes mais a cada visita sua no buteco e não podia falar nada, sob proteção dele ser cliente. Admito ser burro, mas não o suficiente para saber dos desejosos pensamentos dela. Mesmo que eu entrasse na escola, levaria uma eternidade para me fazer doutor também. Pensei em juntar alguns amigos, que me deviam favores, e dar um sumiço no doutorzinho. Logo desisti, Deus seria testemunha de meu ato e a coisa se complicaria mais.

Em pouco tempo o amor que restava por mim evaporou. A fonte havia secado há algum tempo, mas eu continuava com o copo cheio. O doutor desapareceu, por sorte, mas levou junto o coração dela. Não nos falávamos mais, senão trivialidades. Eu tinha juntado uma mixaria com a pensão de meu pai, que me foi muito de valia. Numa manhã de sábado ela arrumou um comprador para o barraco e colocou o buteco a venda. Acabei comprando o buteco com o dinheiro, e ela foi embora levando nossos filhos e sonhos. Tenho 68 anos, nunca mais a vi nem às minhas crianças. Não tive outro amor, dormi com algumas senhoras que de relance passaram. Sempre sonho com Maria da Rosa Pinto, a Rosa que perfumou todo sentimento puro e desfez o jardim que havia dentro de mim.