Os passarinhos encantados
Eu devia ter uns doze anos quando pela primeira vez soltei Lampião, meu canário da terra. Ele deixou a gaiola cantando e voando em uma espiral vertical até eu o perder de vista, para voltar como um raio, vindo do alto, quase se materializando sobre a gaiola.
Depois disso passei a soltá-lo diariamente. Permanecia cantando em algum ramo alto, até decidir voltar para a gaiola, pendurada no tronco de uma árvore.
Sua namorada, Bonita, era mais melindrosa, e frequentemente se recusava a voltar para a gaiola na hora planejada, levando-me a evitar soltá-la, exceto em fins de semana, quando ela podia se atrasar sem me causar transtornos. Bonita era uma canária extremamente barulhenta, e saldava a volta de Lampião com um alarido estrondoso, retribuído com o mesmo entusiasmo pelo macho.
Mas houve o dia em que soltei Lampião em local errado, entre os prédios, longe das árvores. Não sei a razão pela qual ele voou alto, poderia ter permanecido em algum andar mais baixo, mas preferiu as alturas. Olhei para cima quando Bonita deu o alerta, o alarme de perigo. Impotentemente, e com enorme apreensão, percebi um gavião mergulhando das alturas, ao mesmo tempo em que o canário descia para se esconder nas árvores, relativamente distantes. Acompanhei a perseguição rapidíssima e desigual em que Lampião batia as asas desesperadamente num voo demasiado lento para a circunstância, seguido pelo gavião cortando o ar rapidíssimo e cada vez mais perto de sua vítima.
Lampião já estava chegando à árvore mais próxima quando o gavião o alcançou; eu e Bonita acompanhávamos tudo à distância: ambos nos calamos. Bonita ficou repentinamente amuada e muda, e naquele dia eu chorei enquanto levava a gaiola para casa.
Não sei quanto tempo tinha passado quando um pressentimento me veio, pensei ter ouvido um pio. Levei a gaiola novamente para a rua, algo me dizia que ele ainda pudesse estar lá, mas Bonita permanecia acabrunhada, atitude nada auspiciosa.
Deve ter passado uma meia hora de tristeza quando escutei nitidamente um pio curtíssimo e agudo, tinha que ser ele! Mas Bonita permanecia mortificada. Ouvi outros pios, não podia ser alucinação; mas por que ele não voltava? E por que ela continuava apática?
Mas então, repentinamente, bonita se agitou, e tornou a se assanhar, e a emitir seus chamados como sempre fazia, no entanto, seus piados não eram respondidos. Para mim aquele alvoroço repentino não fazia sentido, e já estava ficando tarde, quase perto do sol se por. Mesmo assim decidi soltá-la, se escurecesse não voltaria.
Abri a gaiola onde ela voava agitadamente para todos os lados. Não demorou para que percebesse a porta aberta, voando dali diretamente para o alto da árvore. Para minha surpresa e enorme felicidade, foi recebida com a costumeira algazarra por Lampião, que deixava finalmente o seguro esconderijo onde se recuperara do susto brutal.