UMA CARONA NA GARUPA
Nas noites de guardamento a gente ficava sabendo de muitos causos que foram vividos, ou pelo menos imaginado, pelo povo sofrido do sertão. Nestes momentos são relatados eram feitos nalgum lugar fora da residência onde o corpo estava sendo velado, geralmente numa tuia, paiol ou alguma cobertura iluminada por um lampião de querosene com sua luz morteira e os proseadores, ajudados pela aguardente que corre de boca em boca para ajudar a passagem da noite, as estórias que apesar de não serem inéditas fluíam espontaneamente e sempre prendia a atenção, causava um certo receio do sobrenatural e quando bem contadas pela boca dos mais velhos, sempre tinha um sabor misto de terror e valentia, principalmente as crianças e molecotes que insistiam em varar a noite mas geralmente acaba entregando os pontos na madrugada, se acomodando algum lugar, ali mesmo no chão.
Foi num desses velórios que um senhor já adiantado na idade e bem altinho pelo álcool, contou um ocorrido que me prendeu a atenção. Dizia ele que ainda rapazola quando começou a namorar uma bela moça que morava num bairro vizinho a umas duas léguas e meia de sua casa, só mais tarde pude entender que a distancia era longa, equivalendo aproximadamente quinze quilômetros. Era uma bela morena, dizia o fanfarrão e a cada quinze dias lá ia eu atrás do meu rabo de saia, levantava bem cedinho, arriava minha égua marchadeira, despedia do pai e da mãe que aproveitava para dar o seu puxão de orelha:
_____ Juízo menino! Não vá fazer besteira por lá e cuidado, não vá fazer mal pra filha dos outros! Tome tento!
Enfim a mesma ladainha de sempre toda vez que saia de casa para namorar eu porem, não me preocupava com nada, saia no domingo de manhã e só ia chegar em casa por volta da meia noite. Ficava namorando até tarde, depois me despedia, montava na minha éguinha marchadeira e zás para casa.
Numa dessas noites, o céu estava estrelado, porem a lua já havia ido, deveria ser por volta da meia noite, lá estava eu e minha éguinha caminhando solitários no breu da noite, quando, ao passar por uma porteira, ao aparelhar o animal para abri-la, inexplicavelmente a porteira se abriu, um frio correu espinha acima e eu ainda brinquei com minha companheira:
_____ Chiii Soberba! _____ Este era o nome da égua ____ Parece que vamos ter companhia!
Malditas palavras. Toquei a égua que passou pela porteira meio de esquio, parecia estar vendo alguma coisa diferente, eu era um rapaz corajoso mas um arrepio de frio subiu pela cacunda. Se a égua estava vendo ou não alguma coisa, já não posso dizer nada, só sei que a partir daquele momento a bichinha parecia estar fazendo uma força descomunal para cavalgar, notei então que a coitada suava bastante e troteava ofegante, sinal de cansaço, mas ia cortando o estradão num passo picado e parecia que a caminhada não rendia até que chegou na porteira que dá entrada da Mata do Grotão, o lugar era tido como assobrado, embora eu nunca tivesse visto nada de anormal por lá, naquela noite estava ressabiado. Hoje não existe mais a mata mas naquele tempo era uma grande e bela mata fechada, a estrada passava por ela e a gente caminhava mais ou menos meia légua com mata de lado a lado para depois desembocar na invernada da Fazenda de um Italiano e logo adiante, estava nosso sitio. Mas foi na entrada desta mata que mais uma vez, inexplicavelmente a porteira se abriu, a égua passou pela porteira e senti naquele momento que algo pulou da garupa e a partir dali, a égua passou a caminhar mais leve, não se ouvia mais o som ofegante do animal fazendo força para cavalgar. Naquele momento tive a certeza de que cavalguei por mais de uma légua, esta era a distancia da primeira porteira até a da entrada na mata, com alguma coisa desconhecida na garupa, porem não me atrevi perguntar quem era, mas deste dia em diante, minhas visitas a casa da daquela namorada foram raleando, até que não voltei mais, acabamos com o namoro.
O proseador ainda justificou que terminara o namoro não por medo, pois sempre foi um homem corajoso, mas por receio de cruzar novamente com o desconhecido, terminando assim o seu causo e provocando risos em meio a pequena platéia atenta. Depois tomou mais um dose da branquinha, botou o cigarro de palha na boca e ficou satisfeito em ter partilhado este momento com os conhecidos.