FIM DE BAILE

FIM DE BAILE

Dois cavalos garbosos, altivos, cabeça erguida no alto de um pescoço longo e delgado, o que lhes dava estatura ainda maior do que já tinham ao natural, bem pilchados, mascavam os freios, enquanto deslizavam leves como a brisa da noite, sobre a estrada de chão batido, no rumo de casa. Sobre o dorso dos animais dois jovens deliciavam-se com a dança da cela, ao ritmo gostoso da marcha troteada da cavalgadura.

Tsche Guri e a Katty, depois do baile, cansados com oo ritmos alucinantes e o exercício dos músculos produzido pela dança contínua, dirigiam-se para casa. Viajavam momentaneamente silenciosos, dir-se-ia pensativos, cada qual a seu modo ruminando ideias e deliciando-se, por certo, com o resultado do bom desempenho alcançado naquele baile.

Ele, exultante e esperançoso, via estrelinhas faiscantes de alegria a dançar-lhe diante dos olhos. Que prenda fofinha que arranjara para ensinar-lhe as artes preliminares da dança! Que maravilha de garota! Que bom humor guardara no decorrer do baile! E como sabia dançar bem, mesmo ensinando-o a dançar. Queria agradecer-lhe tudo isso, mas, conhecendo-se por “diamante não lapidado” – expressão que a Ketty usara enquanto dançavam – não se atreveu, temendo novo deslise... e cavalgaram em sillêncio.

Ela, a prenda /professora, em mil conflitos estava. Vinha-lhe às narinas ainda a lembrança do cheiro fortemente doce do homem/menino, devidamente asseado e perfumado, bem vestido à sua maneira bucólica de se trajar. Chegou até a lamentar o fato de Tsche Guri ser mais novo que ela. Se ele agora, com seus dezesseis ou dezessete anos, já revelava uma educação primorosa e um respeito ímpar pelo sexo oposto, acentuada depois sua maça física e cheia a sua barba, seria um lindo homem. Quando madurecesse, então, seria alvo de olhares gulosos e de suspiros de gurias românticas como ela e, facilmente, iriam, talvez, sucumbir aos apelos desses suspiros.

Mas, continuaram calados, cada qual esperando que o outro se manifestasse primeiro. Cavalgaram, assim, um quarto de légua. La Bandolera, eterna guardiã do respeito à sua família, vinha no seu baio “quarto de milha”, igualmente fogoso, trajando seu traje de guerra de gala, a uns cem metros atrás deles. Ao mínimo sinal de alerta que visse, seu relho estalaria sobre o lombo do Tsche Guri. Quebrou-se a mudez dos jovens cavaleiros.

– Que achou do baile?

– Estava ótimo. A propósito., quieria te agradecer pela grande aula de dança que me proporcionou..

– Não precisa me agradecer. Te comportaste como um verdadeiro cavalheiro hoje.

– O que quer dizer “cavalheiro” – perguntou o peão,. pensando que era um xingamento ؘ Eu não falei nada pra te ofender!

– Pelo contrário, guri. Eu quis dizer que te comportou como um verdadeiro homem de respeito.

– Aaahhh! Obrigado.

– Tens o ritmo no sangue e a beleza na alma. Com esse teu jeito é fácil arrumar uma namorada.

– Tu jura?

– Sim, juro. Engraçado! – disse ela rindo – Te prometi apresentar uma moça e, com esse teu “tu jura” lembrei de “tutjours”, que é uma palavra francesa que quer dizer “sempre”. Tenho uma amiga que é da França, mas está estudando em São Paulo. Ela adora namorar com rapazes do interior. Diz que são mais verdadeiros ou mais simples, ingênuos. E, para cúmulo, ela gosta muito do povo do Rio Grande do Sul, do nosso jeito de falar. Essa moça vai passar as férias do fim de ano lá em casa. Eu te aviso e tu vai lá para conhecê-la. Combinado?

Apertaram-se as mãos como confirmação do trato. Tsche Guri sentia-se como se seu cavalo andasse sobre nuvens. Não cabia mais em si de contentamento. Quando chegaram na encruzilhada, despediram –se e cada um seguiu para a sua casa.

No dia seguinte, mal o sol aquecera os pampas, o jovem peão foi à casa do seu amigo Xiru para fazer o relato de tudo o que acontecera no baile.

INTERIORANO
Enviado por INTERIORANO em 21/07/2010
Reeditado em 22/07/2010
Código do texto: T2391747