Conto I - O carrinho do Felipe
- A... a...qui...ja...jaz...fi...Fel...Fe-li-pe...um...uma...
- Uma criança que deixou a terra para se tornar anjo – completou o avô.
Meu vô acabou de ler pra mim as palavras da placa que mandaram fazer pro meu irmão. O vô sempre me ajudava com as palavras, nunca fui bom com elas.
Eu estava no auge dos meus sete anos e no auge da altura de um menino de sete anos que se esticava para alcançar os olhos, a imagem da criança no caixão. Mas, o que permitia meu tamanho eram dois tufos de algodão bem enfiadinhos no nariz do Felipe.
Pobre Felipe. Caiu da arvore bem de cabeça na calçada. Coitado! Morreu tão perto do Natal que não ganhou o carrinho que eu tinha visto a mãe esconder da gente.
O vô tava bem triste. A mãe nem se fala. Parece até que o tal do meu pai ia voltar de Presente Prudente.
- Presidente Prudente filho – corrigiu o vô me pegando falando sozinho.
O tal do meu pai que eu ia conhecer tava preso, presinho da silva, lá em Presente Prudente e ia ganhar o inchuto de Natal.
- Indulto – mais uma vez, corrigiu o vô.
Sabe, eu não queria ver ele . Tenho até medo. Não sei o que o pai fez. Já ouvi dizer que foi assassinato, mas minha vó, a mãe da mãe, falou que foi estionato. Num seio que foi, mas sei que foi coisa ruim.
O Felipe ficou lá, deitado nas florzinhas e eu sentado na cadeira do lado dele pensando o que a mãe fez com o outro carrinho.