Mineirão e a onça

MINEIRÃO E A ONÇA

Não é mentira, eu vi, eu tava lá.- E agaranto , a onça entende direitinho a nossa fala! Se ôceis duvida, escuitem.

Todos queriam contar um causo de alguma onça valente. Eu que não sabia nenhum fiquei a me deliciar , deitado na minha velha rede do Ceará.

Mineirão limpou a garganta, acendeu o pito de fumo de rolo e palha de milho e deu a partida acionando o seu oceano imaginário:- Tava eu procurando uma novilha fujona, lá pras bandas da serra do Quebra-Côco. Vocês sabem bem a cuma é aquelas bandas, um lugá danado de ´péssimo pra andá, né? E ainda mais que eu tava montado numa mula ainda esbravejada e teimosa. Sol de rachar a moleira, água nenhuma, só ladeira de pedra de ponta, aquelas grunas fechadas de espim unha de gato, lugar onde o Judá perdeu as botas, mas eu tinha que achar a novilha do meu patrão. Ia subindo uma ladeirona a pino , cheia de pedras de ponta, caminho estreiro, carreiro de porco , mesmo, de repente no meio da ladeira escuitei o tropel de gado que vinha de lá pro meu rumo! Como a mula ficou cismada, apeei, puxei a besta pelo cabresto, me encostei no barranco do lado direito da estrada, porque do outro lado era um precipício imundo.

Mineirão deu uma pausa como de costume, tacou o binga no cigarro que tava apagado, tossiu e deu uma cuspada perto do pé e recomeçou:- Pois bem, Fiquei escutando a baruiada que vinha de lá pra cá, esquiei a barriga para dar passagem pra pros chegantes. Adivinha quem apareceu?-Isso mesmo uma novilha na frente de venta aberta e olhos esbugaiados e uma onça pintada atrás , que tava pega-não-pega a coitada! A novilha quando me viu ficou feliz, parecia ter visto Deus, passou pertinho de mim e da mula! Truviscou ladeira a baixo com o rabo anelado e se gado pensa, pensou”toma conta aí , meu caro , que desta me safei...”. A onçona parou a uns dois metros de mim. Deu uma freiada que saiu fumaça das patas. Tava cuspindo marimbondo de raiva de alguém ter atrapalhado sua refeição. Olhou pra mim com aquela cara de mau e eu olhando bem dentro dos seus olhos pude adivinhar seu pensamento. Pensava ela: Tá bom livraram a novilha, mas só fiz trocar de prato, uma novilha por um velho magro e uma mula gorda!Tá enganada bixona, aqui é fera contra fera! Ela ali pertinho me cubando e eu do zóio grudado nela, dizem que não se pode tirar as vistas da bicha, tem que encarar , encarar com raiva , mesmo estando com medo, foi o que fiz. Nesta confusão a novilha bateu numa galha cheiinha de marimbondo tatu, os danados davam ferroadas no meu pescoço, nos braços e eu nem me mexia, não podia tirar os olhos da maldita. A mula que eu tinha amarrado numa galha fina de murici, tava escorando em tempo de quebrar o cabresto, tava baixinha , baixinha já com o queixo na chão de tanto escorar. Se quebra o cabresto-Adeus Mula!, caia no precepício. Apesar da tremedeira, os joelhos batendo um no outro, pensei rápido, e sem tirar os olhos fui com a mão pra trás procurando tirar o facão da sela. Pelejava, pelejava mas a mula abaixada não me dava posição. Já me sentia cansado, fazia horas aquela agonia, quando um santo dos desvalidos me acodiu. A onça como por milagre deu meia volta e seguiu ladeira acima. A mula se recompôs, dei um suspirão e sentindo vitorioso dei um desabafo , que melhor não tivesse dado. Julgando que a onça já tivesse bem longe gritei:”TOMA VERGONHA NA CARA ONÇA SEM VERGONHA, VOCÊ POR ACASO ,JÁ COMPROU ALGUMA NOVILHA PRA TÁ AQUI QUERENDO COMER A BICHINHA?”. Meu amigo, não te falo nada! Foi a boca fechar e já tava de novo com a onça me encarando. Me olhando, agora com mais raiva que antes e eu adivinhando sua pergunta: O QUÉ

É? FALA DE NOVO O QUE FALOU!-. aí as palavras saíram sozinhas da minha boca: Me desculpe dona onça , tava aqui falando com minha mula que além de burra é surda prá dedéu... A onça se deu por satisfeita , balançou o rabo e saiu toda garbosa mata a dentro....É por isso que eu falo”ONÇA ENTENDE O QUE A GENTE FALA.....

l.rocha

Laerte Rocha
Enviado por Laerte Rocha em 10/07/2010
Reeditado em 03/08/2013
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