A CAVEIRA E O CABOCLO
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Recontando Contos Populares
Durante toda esta minha vida ouvi muitos causos. Dos que guardei em mente, tem este que vou reproduzir conforme aconteceu. Foi o seguinte:
Numa tarde de certo dia, deu de acontecer que um caboclo ao passar perto da porteira de um sítio, pôs a atenção numa caveira branquela, feia como deve ser a Morte.
É comum ouvir que nós, sertanejos, somos um povo muito supersticioso. Mas esse caboclo não tinha "um pingo" de medo; pois se acercou da caveira, deu-lhe um pontapé e caçoou:
— Quem te matou, caveira?
Você calcule qual não foi o espanto do caboclo, quando, com um estalejar dos ossos muito brancos, lavados de chuva e estorricados ao sol, a caveira respondeu:
— Foi a língua.
Lá se foi a coragem do homem. Na mesma hora o caboclo ficou aturdido, se arrepiou todo, tocou no crucifixo que no peito trazia, benzeu-se e se pôs numa carreira despinguelada. Vencida obra de meia légua, estava no vilarejo; e foi logo botando a "boca no mundo". A história do caboclo tornou-se logo alguma coisa de fantástico ou mal-assombrada para aquela gente simples. Alguns acreditaram nele, mas a maioria, não. E como notícia, se boa corre, a ruim avoa... O delegado do vilarejo logo mandou chamar o caboclo.
— Que história é essa de caveira que fala?
— Eu juro senhor delegado, que ela respondeu.
— Vou lá ver isso. Mas veja lá, se for mentira sua e você me fizer bancar o bobo, eu mando te pendurar pelo pescoço, na primeira árvore que encontrar.
— Foi verdade, excelência – murmurou o caboclo.
Formou-se, então, uma grande comitiva. O caboclo ia adiante, a pé, seguido do delegado na sua mulona ferrada, guarda sol aberto, muito seu fresco. Atrás, as outras autoridades do vilarejo e, por fim, e os moradores curiosos.
Chegando à porteira, a comitiva estacou. Ao verem a caveira, todos se calaram, tão maligna parecia. Trêmulo, o caboclo perguntou:
— Quem te matou, caveira?
A caveira nada de responder. Quieta estava e quieta ficou.
O caboclo pensou que talvez tivesse perguntado muito baixo. Em voz mais alta, novamente inquiriu:
— Quem te matou, caveira?
E a caveira "nadica".
— Quem te matooou, caveiiira? – gritava agora, com as veias do pescoço saltadas, e o pavor da forca apertando-lhe o coração.
— Quem te matou, caveira? Quem te matou, caveira?
E a caveira muito branca, luzindo ao sol, em silêncio. O moço perdeu a cabeça, começou a dar-lhe pontapés, jogando-a a distância; e, ia atrás dela de um lado para outro, suando, amaldiçoando.
— Quem te matou, caveira? Quem te matou, caveira? Quem te matou, caveira?
O delegado convencido da mentira do caboclo ordenou, então, aos soldados que lhe acompanhavam que pendurassem o sertanejo na árvore ao lado da porteira. Os soldados fizeram o nó corrediço e o caboclo ficou enforcado à beira do caminho, enquanto a comitiva voltava espalhafatosa, mas sem animação, para o vilarejo.
Depois disso, tudo, ficou em silêncio na porteira. Não passava vivalma. E, assim, decorreu a tarde quente; e, assim, anoiteceu; até que, a caveira, que parecia não ter movimento, rolou um pouco sobre si mesma e, aos pulos, chegou até sob a árvore onde estava o caboclo enforcado. E ali, com o feio buraco das órbitas vazias virado para cima, exclamou:
— Eu não te falei que quem me matou foi a língua! ®Sérgio.
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