Hamilton dos Santos, brasileiro, casado, 53 anos, pai de família: profissão Cidadão - CAPÍTULO XI

XI

Ameaçado de prisão, seu Hamilton subiu uma segunda vez na carroceria da retroescavadeira. Suas pernas estavam bambas e por um momento e ele teve receio de cair dali e se machucar.

Hamilton tenta novamente ligar a máquina, mas não consegue. Volta a chorar e a secar as lágrimas em sua roupa de trabalhador.

Passando mal, o tratorista torna a descer da retroescavadeira em que trabalhava. Para isso, entretanto, acabou necessitando da ajuda de alguns policiais.

- Tenho pressão alta e problemas no coração, disse ele com a voz baixa e entristecida.

Seu Hamilton não conseguira endurecer o coração, nem o peito e nem a alma. E o pior é que ele, o coração do homem, acabara mesmo fora se amolecendo de vez.

Em choque e com muitos problemas de saúde, Hamilton foi conduzido rapidamente numa das viaturas da Polícia Militar até o Posto de Saúde do bairro vizinho.

Decerto que ele sabia perfeitamente o custo de cada um dos tijolos e dos sacos de cimento utilizados na construção daquelas casas. Ele conhecia também o valor do esforço e de cada gota de suor despejada sobre a argamassa naquelas obras. Decerto que igualmente não duvidava de que amanhã poderia ser ele o despejado e sua a casa a ser demolida por outro tratorista.

E por isso não o fez. E por isso se recusou a fazer o serviço e tornaria a se recusar quantas vezes necessárias fosse.

O seu Hamilton desconhecia completamente o significado de termos e palavras como desobediência civil ou democracia e não mantinha nenhuma intenção de se tornar um herói.

Naquele momento ele só não admitiria ser dele a mão que poria abaixo as casas daquelas duas famílias desesperadas. Se assim o fizesse – sabia ele perfeitamente disso – se assim o fizesse não conseguiria dormir em paz na noite seguinte e em nenhuma das outras noites que a sucederiam.

Teria de carregar consigo - e para todo o sempre - aquele peso: a visão dos olhares famintos e cansados de todas aquelas crianças e dos olhares de desespero e aflição dos adultos, pais e mães de família despejados e sem um lar que os aquecesse e os fizesse adormecer com segurança no final daquele dia.

Luís Antônio Matias Soares
Enviado por Luís Antônio Matias Soares em 25/06/2010
Reeditado em 30/06/2010
Código do texto: T2340085
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