Hamilton dos Santos, brasileiro, casado, 53 anos, pai de família: profissão Cidadão - CAPÍTULO V
V
Não demorou muito para que aquele pedaço de rua localizado diante da casa de número 123 da Rua Direita ficasse completamente tomado por grande quantidade de moradores e vizinhos.
Em comunidades como aquela tanto as notícias boas quanto as ruins acabam se espalhando como um rastilho de pólvora: uma pessoa conta para outra que repassa para outra que espalha para uma quarta que leva adiante e até que todos os indivíduos da localidade fiquem cientes dos acontecimentos. E os acontecimentos naquele caso eram a terrível possibilidade da demolição das casas daquelas duas mulheres.
Mas antes que isso irremediavelmente acontecesse, o dono de um mercadinho local mandara que o filho mais velho fosse correndo até a escola municipal para avisar a dona Telma Sueli acerca da presença dos oficiais de justiça e da Polícia Militar, bem como do objetivo dos mesmos em sua visita ao bairro.
Os vizinhos, ao mesmo tempo em que buscavam dialogar com os oficiais de justiça no intuito de esclarecer tudo o que estava acontecendo, tentavam também atrasar ao menos por algum tempo o andamento dos trabalhos daqueles homens, até a chegada ao local da dona da casa ou do marido desta.
Mal havia passado dez minutos, portanto, quando a mulher do senhor Dílson chegou esbaforida e desesperada ao local. A primeira cena que viu foram os filhos do lado de fora de sua casa, todos muito nervosos e chorando.
A filha mais velha de dona Telma segurava o recém-nascido entre os braços, mas eram os filhos do meio que pareciam estar mais assustados com tudo aquilo e sem entender direito o que de fato estava se passando.
Então a dona Telma não conseguiu conter os gritos e as lágrimas ao ver suas sete crianças fora da casa que viera construindo com tanta dificuldade e sacrifício. Imaginou imediatamente os filhos passando a próxima noite ao relento, sem casa ou guarida que os aquecesse e fizesse sonhar.
- Meu Deus, isso não pode não - disse ela. Gente: é um desespero na minha vida. Eu tenho filhos pra criar, não podem entregar minha casa não! Gente, tem coração!
Parou por um segundo e levou uma das mãos ao peito. Parecera naquele momento que ela iria cair desmaiada no chão. Mas era uma mulher forte que não se deixaria abater tão rapidamente.
Assim, continuou:
- Minha vida está toda ali dentro, gente! Eu não sou ladrona, não roubei nada! Querem derrubar o que é meu, gritava amparada pelos filhos que também se desesperavam diante do choro angustiado da mãe.
Alguns vizinhos tentavam contê-la e apoiá-la.
- Não pode... Não pode, meu Deus, não pode! Aonde é que os meus filhos vão passar a noite? Não pode, repetia sem parar...
Em seguida a dona Telma caminhou até a filha mais velha e pegou no colo o netinho que nascera há vinte e seis dias. Já não agüentando, sentou-se desesperada no chão de terra.
A discussão entre as famílias, os oficiais de justiça e os representantes da comunidade se estendeu e se arrastou durante toda a manhã e parte da tarde daquele dia. A todo o momento se dirigiam mais e mais pessoas da comunidade até o número 123 da Rua Direita.
Durante todo aquele tempo ouviram-se muitos lamentos e o choro desesperado de mulheres e crianças. Em certos momentos as sirenes das viaturas da Polícia Militar eram ouvidas quando partiam rumo ao posto de saúde do bairro de Valeria transportando pessoas desmaiadas ou que se sentiram mal durante o dia.