Hamilton dos Santos, brasileiro, 53 Anos, casado e pai de família: profissão Cidadão - CAPÍTULO I

A compaixão dos oprimidos pelos oprimidos é indispensável. Ela é a esperança do mundo

Bertolt Brecht

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro homem que, tendo cercado um terreno lembrou-se de dizer “isto é meu” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditar nele.

Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “evitai ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém

Jean-Jacques Rousseau

A verdade verdadeira é que os heróis de fato não aparecem na tevê nem têm o seu nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria. Os heróis verdadeiros estão nas ruas, nas fábricas, nas lavouras, nos ônibus, nas escolas, nas casas.

Herói é o pai que trabalha 12 ou 14 horas por dia para dar de comer a sua família. Heroína é a mãe que, com o filho doente nos braços, anda quilômetros em busca de atendimento.

Esses heróis vivem e morrem silenciosamente, não ganham homenagens nem estátuas. Muito menos têm um dia com seu nome. Os verdadeiros heróis não aparecem nos livros de História. Eles fazem a História

Moacyr Scliar

I

Passava das seis horas da manhã quando os oficiais de justiça Carlos Cerqueira e Marcos Seixas chegaram à Rua Direita do bairro da Palestina, na periferia de Salvador.

Estacionaram os seus automóveis não muito longe do número 123 daquela via e se encaminharam sem pressa na direção de duas humildes moradias que naquele momento ainda se achavam completamente às escuras.

A proprietária de uma das casas, a senhora Telma Sueli dos Santos Sena - mulher de uns 40 anos de idade, casada com o senhor Dílson Leandro dos Santos - havia saído momentos antes.

Deixara café coado, leite e alguns pães sobre a pequena mesa de madeira que guarnecia com simplicidade a cozinha da residência. Em seguida se dirigira a pé pelas estreitas e ainda silenciosas ruas e vielas do bairro até o portão de ferro da Escola Municipal da Palestina.

Aquela instituição de ensino fora construída em 1988 e era com muito orgulho que a dona Telma se tornara uma de suas funcionárias. Sua obrigação diária era preparar e servir a merenda escolar para a alegre meninada do primário. Ela fazia aquilo com toda a responsabilidade e carinho, pois muitas daquelas crianças moravam bem próximas de sua casa e em muitos casos as mães delas eram amigas ou vizinhas da merendeira.

Dona Telma deixara adormecidos em sua casa os seus sete filhos e o neto que ganhara vinte e seis dias atrás. Na casa ao lado - vizinha da de dona Telma - morava outra mulher e mãe de família, a senhora Ana Célia Gomes Conceição. Era casada com Edmilson Neves, cunhado de dona Telma Sueli. Além do casal, habitava aquele outro lar a filha destes, a mãe e um irmão de Edmilson.

As duas casas - assim como praticamente a maior parte das demais moradias que ocupavam aquele bairro pobre da periferia de Salvador – haviam sido construídas pelos próprios moradores em regime de cooperação familiar ou em mutirão e com a ajuda sempre bem vinda da vizinhança e dos amigos.

Assim como em outras localidades mais humildes, era comum que uns colaborassem com os outros num determinado momento para que posteriormente pudessem igualmente se valer da mesma colaboração. Aplicavam-se ali os dizeres de um conhecido ditado popular: “quem dá leva saco para ganhar”.

As habitações eram quase sempre constituídas por casas pequenas, de no máximo dois ou três cômodos. Estes se apresentavam sempre mal acabados ou numa eterna fase de acabamento.

As paredes externas e internas permaneciam muitas vezes sem pintura ou emassamento, sendo apenas salpicadas por cal branca e as divisas entre umas e outras moradias eram demarcadas por rudimentares cercas de madeira ou telas enegrecidas de arame como nas cidadezinhas do interior, de onde se deslocara grande parte daquela gente.

Luís Antônio Matias Soares
Enviado por Luís Antônio Matias Soares em 16/06/2010
Reeditado em 30/06/2010
Código do texto: T2322446
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