DESSA ME ESCAPEI BARATO !!!

DESSA ME ESCAPEI BARATO !!!

Puxa vida tschê, aquela também foi boa! Tudo o que a gente faz, ou não, na vida, tem suas consequencias. Eu era piazote ainda, mas piá mesmo, tschê. Devia ter meus sete para oito anos, pois com menos de seis eu já andava no lombo dum animal. E com sete, eu era o guapo que levava a moagem e trazia de volta para casa a farinha de milho ou de trigo. Seis quartas de milho no biguá, como chamamos aqui no sul o saco para transporte da moagem que tem as duas pontas cosidas e uma abertura no meio... e eu mandava-me para o moinho. Era longe, quase três léguas. Mas, o fato de ficar em casa ou sair daqueles cafundó (nem que tivesse que ir para outro cafundó, mais distante do mundo ainda), já era um divertimento. O guri, que era eu, não via gente diferente que a minha própria família durante meses. Só saindo de casa que a gente encontrava um ou outro extraviado pelas estradas. Ahhhh! as idas ao moinho para a gurizada tinham, ainda, um outro sentido. Era dia de, pelo menos três, se encontrarem e, quando isso acontecia , bidu, as molecagens já estavam à flor da pele. Era dia, por exemplo, de nós moleques, imitando os adultos que faziam as carreiradas nos domingos depois da resa do terço, mostrar que um guri também ficava em cima do lombo do animal correndo. O papai sempre teve bons cavalos. Era pobre, mas esse era um dos seus orgulhos. Não muitos, mas sempre tinha uns dois bons para montaria e dois mansos de carroça e arado, pra fazer verga com o aradinho leve. Pena que o “moro”, um cavalo de três anos, bem alto e vistoso, bem branquinho, fosse cobiçado por todos . Por isso o roubaram. Pena mesmo! Eu gostava muito dele, pois era ligeiro uma barbaridade! Depois dele o pai comprou para meu uso o “petiço”. Deram-lhe este nome porque era petiço mesmo. E o mais engraçado era que, o que ele tinha de altura, quase, tinha de largura. Mas corria que nossa! As perninhas dele trocavam com tanta rapidez que, olhando ele correr, parecia que tinha uma perna só.

Bem, mas voltando ao causo, um dia me aconteceu uma em que quis ser útil ou, quem sabe, dar uma de entendido no assunto (coisa de piá, entende?). Acontece que, transposta a ponte do Rio Colorado, questão de uma légua distante da casa do pai, ao entrar no travessão que levava para a estrada do moinho, vi três juntas de bois enormes puxando um carroção, daqueles de transportar madeira, vazio, com os bois em louca disparada. Tinham fugido do carroceiro encarregado de puxar toros para a serraria do seu Bender. Ele, o homem encarregado desse transporte, vinha correndo uns mil metros atrás, gritando a todo pulmão que era para alguém conter os fujões. Sabe como é guri gabola. Na sua cabecinha pode tudo! ... e eu não tive dúvidas. Atravessei o petiço, com seis quartas de moagem em cima, no meio da estrada e gritei com os bois, ameaçando-os com a vara que me servia de chicote. Mas quem não considerou que eu tivesse tamanho suficiente para contê-los, foram os bois. Passaram de roldão sobre cavalo, cavaleiro e moagem e correram mais uns vinte metros e, como que se meu anjo protetor os estivesse segurando, pararam e começaram a pastar o capim que crescia na beira da estrada. Se foi isso ou não, não posso dizer, porque meu anjo é invisível.

No encontrão que eles deram com o meu animal, eu caí e a roda do carroção passou por cima do meu calcanhar, arrancou a parte dura toda que vai por baixo do pé, mas não quebrou nenhum osso. Mas não chorei. Homem que é homem não chora, sempre me diziam os irmãos mais velhos.

Pra encurtar o causo, peguei o pano que a gente usava na colônia para servir de lenço, ajeitei o couro desbeiçado e amarrei o lenço em redor, bem firme e segui viagem até o moinho. A mulher do seu Rippel, o moinheiro, uma senhora muito querida, não teria mais que cinquenta anos, compadeceu-se de mim e fez-me um curativo. Lavou o meu pé na canaleta que levava água para a roda d’água que girava as engrenagens, pegou um pano limpo (porque o meu já era puro sangue e barro), passou graxa de lagarto na ferida e fez um curativo que se igualava aos melhores conhecimentos de enfermagem. Agradeci do meu jeito e fui para casa.

Quando cheguei, lembrei que o pai nos ensinara desde muito pequititinhos, que, quando a gente tivesse uma dificuldade, tinha que contar para os pais para, se possível, eles ajeitarem as coisas. Por ser ele, por mim assim considerado, um pai muito justo e bom, fui ter com ele na roça e contei tudo como aconteceu. Ele era bom, mas extremamente rígido. Olhou-me com uns olhos como quem diz: “menino!!!” e me convidou para irmos para casa. E quando o pai olhava daquele jeito, tudo poderia acontecer. Quando chegamos à frente do paiol, ele sentou num cepo e me disse para sentar no outro. Deu-me um sermão daqueles de três léguas, tudo em alemão. Entre outras coisas me disse que, quando a gente não sabe fazer uma coisa, não faz antes de aprender. Foi pra dentro do paiol pegar alguma coisa. Eu já sabia o que ele foi buscar. Era lá que ele guardava os apeiros do seu cavalo. Para meu desespero, já sabia o que viria depois. Mas que bah! Aquele mango de três tentos cantou e assobiou no meu trazeiro. Ele não tinha raiva. Era para lembrar na próxima, que a coisa não funciona como está na cabeça da gente. Mas não chorei! Homem que é homem, não chora!!!

INTERIORANO
Enviado por INTERIORANO em 14/06/2010
Reeditado em 14/06/2010
Código do texto: T2319294