O PRIMEIRO AVIÃO QUE SOBREVOOU O POVOADO
Às vezes afloram-me lembranças dos velhos tempos,quando não havia radio nem televisão, e só se comunicava por cartas. Metade do século passado anos 50. Cultura conservadora completamente oposta aos atuais comportamentos. Vestimentas longas, respeito absoluto, nos hábitos, gestos, e modo de agir. Meio de transporte vagaroso, estradas em péssimas condições de tráfego, cortadas pelo carro de boi, com seu cântico dolente marcando a alma sertaneja. Sua musicalidade simbolizando a árdua luta em defesa do pão de cada dia, em coro com os demais acordes da natureza. Vagaroso e perseverante ora fazendo profundas marcas no chão barrento, ora levantando o pó da estrada em plena seca.
Nada de poluição, nem agrotóxicos. Os pássaros aos bandos com seu gorjear solfejado, competindo com a natureza ao som do vento embalsamando a vida com os perfumes silvestres.
Nas fazendas o cheiro delicioso do melado sendo apurado em rapaduras, as verdejantes matas bordadas da fumaça branca içada em riste pelas chaminés dos pobres casebres dos colonos plantados pelas encostas. Tudo isto e muito mais, que simplicidade rural exibia, numa demonstração singular da vida pacata e singela que vivíamos.
A religiosidade era a bussola que norteava a vida. Em nossa comunidade as missas aconteciam a cada trinta dias, motivando encontros e veiculando informações sobre os acontecimentos mais importantes. Uma fundamental e excelente parcela de contribuição prestada pela igreja na socialização de nossa gente. Ela não só evangelizava, como também nos instruía a respeito da vida comunitária.
Não havia caminhões tratores nem outra maquina pesada, somente alguns automóveis fordinhos que raramente passavam por aqui ou vinha em missão especial. Quando ouvia o ronco de um avião era uma correria louca para vê-lo lá nas alturas. Os privilegiados que oportunamente o vira em terra descrevia sua característica como se fosse uma grande aventura. Estória o envolvendo despertava grande interesse principalmente nas crianças.
Nossa estimada professora, Dona Geralda Caetano, que inclusive foi à primeira diretora,quando nossa escola atingiu a categoria de grupo escolar, contava que o primeiro aeroplano que passou sobrevoando o nosso povoado, não ficou ninguem dentro de casa. Exceto o CÓ um elemento retardado, que vivia na dependência da caridade alheia. Era domingo dia do tradicional frango ao molho pardo. Estavam em sua casa se preparando para o almoço, ouviram o ronco do avião saíram todos ao terreiro exceto o CÓ que se fazia presente. Entretidos discutindo o formato do objeto, que para seus deleites passara exatamente sobre eles. Ao voltarem para o almoço, CÓ que não dera a mínima para o avião,acabava de comer o frango restando apenas os pés do galeto.
Por longos anos o avião desempenhou o papel da cegonha, quando os pais ludibriavam os filhos até a adolescência, os enganando com a tradicional lenda do nascimento dos bebês. Um tabu mantido pela cultura primitiva existente na época. Aprendemos sobre os segredos do sexo na rua.
No ano de 1950, Flavinho filho do primeiro prefeito "nomeado" de Bom Despacho “Favuca” negociou com o fazendeiro José Luzia, a improvisação de um campo de pouso numa várzea a margem do rio picão. Para uma apresentação de seu aparelho recém adquirido, um aviãozinho TECO-TECO.
Era domingo dia de missa na comunidade. Não ficou um habitante sem assistir ao espetáculo. Muitos voaram pelo preço de cinqüenta cruzeiros cada mine-passeio.
Com apenas oito anos de idade quase babei de vontade de voar, mas de que jeito não tínhamos nem um centavo.
Não sei de onde saio tanta gente para este acontecimento tão raro em nosso pacato povoado “Engenho do Ribeiro”. Valeu o acontecimento, despertando a curiosidade em muitas criânças,inclusive de meus colegas, filhos de um trabalhador que morava agregado de meu pai, que criaram modelitos do aparelho, feitos de buriti, uma perfeição. (Os primeiros passos rumo a cultura.)