O VIAJANTE
Final dos anos cinqüenta e logo depois da grande seca de 1957, meu pai retornava de uma viagem que fizera a pé, cortanto matas virgens e vencendo veredas entre Goiás, Maranhão e Piauí.
Abatido pelo cansaço, sentou-se, assou carne seca e comeu. Sentiu sede e sabendo que não tinha mais água na cabaça, chupou o sabugo da tampa.
Sentia febre e tinha os beiços rachados feito náufrago à deriva...Levantou com dificuldade as vistas, pôs-se de pé e viu um casebre distante... Aproximou-se.
— Ô de casa!
Ninguém respondeu. Ô de casa, repetiu ele batendo palmas. Em seguida, saiu um menino sujo, amarelo e descarnado, esgueirando-se pela fresta da porta.
— Cadê seu pai.
— Pai tá aqui não!
— Pois chame sua mãe...
Apareceu uma mulher com os olhos mal lavados.
— Já disse que meu marido num tá in casa!
—Dona, venho de longe, minha água acabou!...
Daqui a meia légua tem uma fonte e apontou para uma vereda que não tinha um rastro fresco de gente...
O velho olhou, deu meia volta e tomou a direção indicada, quase oposta ao caminho que precisava seguir para continuar sua viagem . Bebeu água, encheu a cabaça e quando passava de frente ao casebre, a mulher gritou:
— Moço, encoste aqui!
A dona da casa e seu filho, cada um tinha uma cuité encardina na mão... “Bote água pra nois!"
Beberam! Ela enxugou a baba com uma rodilha suja e disse ao viajante: “O senhor podia despejar no pote o resto da água que sobrou na cabaça?”