Auto Piedade

- Não foi ingratidão não, seu moço! Na verdade achei que a gente não merecia ter que passar por isso!

Foram essas palavras que ouvi,de um sr. de meia idade, quando, tentava impedir que seus familiares e vizinhos o machucassem.

Serenado os ânimos, vim a saber, por seus familiares, que aquele sr. humilde, havia recusado os prêmios e um convite, de um desses programas de televisão.

Sua mulher estava inconformada, os filhos então?

Indignados, reclamavam o prêmio, que o pai lhes privara!

Os maiores aos brados, protestavam:

- Não é justo, ele não podia ter feito isso com a gente!

E os menores choramingavam, implorando para que voltasse atrás em sua decisão:

- Pai...fala pro moço, que o sr. qué sim, não deixa ele ir embora pai!! Chama ele de novo pai! Por favor pai!

Como não estava entendendo nada, perguntei ao sr. o que acontecera.

Foi então que ele começou a me explicar sua estória:

- Seu moço, como você pode vê, a gente é pobre, tenho oito filhos, o que ganho mal dá pra comer, mas nunca deixei faltar comida, no prato deles!

-Achei esquisito, aquele pessoal me procurar, pra querer me dar alguma coisa, quando me procuram, sempre é pra me cobrar!

Então aquele homem ingênuo, "abriu seu coração" e começou a me contar o ocorrido:

- No começo eram 2 homens, bem vestidos, até pensei que fossem da polícia, fiquei com muito medo. Me mostraram uns papéis, queriam que eu assinasse, diziam que eu tinha sido "agraciado" num sorteio, e que eu e minha família, poderíamos ir ao shopping comprar, comer e gastar que eles iriam pagar tudo.

Fiquei prestando atenção em seu depoimento:

- Perguntei se podia comprar o que nós quiséssemos? Aí, um deles disse, que só podia pegar, o que estava escrito no papel, que eu ia assinar!

-Aí perguntei se podia, pegar o dinheiro das coisas, que estavam escrito no papel, e pagar nossas dívidas? O mesmo homem, disse que não!

-Foi quando um homem, cheio de homens, em volta dele, falou que estava perdendo o tempo dele, e perguntou, se eu iria assinar os papéis ou não?

-Disse que não!

Então, aquele sr., com a voz embargada pela emoção, perguntou-me:

- Fiz certo né moço? Minha família não precisava passar por aquilo! Não é porque a gente é pobre, que os outros podem fazer o que querem com a gente!

Foi então que perguntei pra ele:

- Qual era o prêmio mesmo?

respondeu-me:

- Um dia no shopping.

-Como assim? Perguntei a ele:

- No papel estava escrito, as lojas que a gente podeira comprar e os lugares que a gente deveria entrar, e também os restaurantes que a gente poderia comer!

Abismado, perguntei:

-Porque o sr. não aceitou??

E com lágrimas nos olhos ele me respondeu:

-Ir naquele lugar, e não poder comprar o que a gente realmente precisa! Ver todos aqueles lugares bonitos, sabendo que depois, nunca mais a gente poderá ir lá de novo!!

Aquilo me "cortou o coração!" Não entendia o que motivara sua decisão. Apiedou-se por quem? Estaria preocupado com seu amor próprio? ou com o bem estar da família?

Quem sou eu, para sentenciar ou criticar pessoas! Mesmo porque, não há como avaliar corretamente, alguém tão humilde, ingênuo e limitado.

Não tenho intenção de incorrer em julgamento dúbio.

Pois, se de um lado, ele privou sua família, de um divertimento, ainda que fugaz. Doutro lado, em sua "visão", "turva" e "estreita", resguardou-os da humilhação de expô-los à realidade étnica social, estigmatizada pelas castas, que ditam as "regras do jogo", dentro de uma sociedade predatória, que busca na maioria das vezes a satisfação no prazer do consumismo "desenfreado".