Dr. Nereu Piva - Médico de interior
Essa história não é minha, e na verdade nem sei quem a inventou.
Também não é minha a idéia de contá-la. Acontece que andava eu pelos recantos literários quando deparei com o Dr. Iran Costa que atendia no Hospital Santa Maria. Medido dedicado, filho de Flávio Cavalcante, que atendia pacientes com enorme bem querência.
Era assim também a vida de eterna benevolência do Dr. Nereu Piva conhecido por toda humilde população de Lapinha. Lapinha para quem não conhece é uma pequena cidade mineira com pouco mais de 3000 habitantes. E penso agora, como pode um médico sobreviver numa cidade tão pequena com tão poucos clientes. Inclusive porque certamente há outros médicos na cidade disputando essa clientela. Mas nosso Dr. Nereu Piva era especial, diferente e carismático. Sua especialidade, dizem era de clínico geral cuja especialidade de fato ia além de diagnosticar e medicar. Um verdadeiro médico de interior. Ao passar pela casa do amigo paciente Dr. Nereu já examinava a cabra que andava cabisbaixa, a vaca que parou de dar leite, o porco que pegou pneumonia. O médico ia e fica para o almoço, tomava cafezinho com bolo, dava pito nos moleques que teimavam em desobedecer os mais velhos. Ele era conselheiro, amigo, muito mais que médico. Com isso já batizou metade das crianças de Lapinha, foi padrinho de casamento de outros tantos. Era assim, um amigo que por coincidência era também médico.
Dr. Nereu tinha um filho médico recém formado que acompanhava o pai em algumas visitas. Foi aos poucos tornando conhecido o médico que um dia assumiria sua clientela.
Numa manhã cinzenta Dr. Nereu não levantou da cama. O velho cansado e amolecido disse que sairia de férias. Nunca em tantos e tantos anos de trabalho o tinha feito e parecia que finalmente era chegada a hora. O filho Haroldo concordou. Dr. Nereu passou então todas as recomendações sobre cada paciente que o filho deveria visitar em sua ausência. Recomendou atenção especial ao Coronel Juca, o ricaço fazendeiro que tinha a perna dominada por uma enorme ferida causada pela picada de bicho do mato.
Sentindo a importância do caso, imediatamente Haroldo foi procurar o Coronel Juca e examinou atentamente sua perna. A ferida parecia dominada, mas não curada. No entorno uma crosta arroxeada atormentava o paciente que pediu cuidado. Disse que médico mesmo era Dr. Nereu e que ele, Haroldo era cria, mas não tinha a magia nas mãos como tinha o velho Nereu. O médico terminou o exame estupefato e logo tratou de fazer um curativo com pomada tradicional que levava sempre na maleta. No dia seguinte voltou à fazenda do Coronel e repetiu o tratamento. Foi vendo surtir o efeito esperado e a perna do coronel foi mudando de aparência. Alguns dias depois não havia mais sinal de que a ferida entornaria. O coronel rendeu-se ao jovem que acabara de vez com a nojenta ferida que havia anos morava em sua perna esquerda.
Quando Dr. Nereu finalmente resolveu voltar para Lapinha, depois do descanso merecido, foi logo tomando tenência dos casos. Haroldo incrédulo perguntou ao pai:
- Mas papai me diga cá uma coisa, como é que um médico de sua competência e conhecimento não tinha curado até hoje a perna do Coronel Juca? Isso me intriga senhor meu pai. Fiquei sem jeito de ver como estava a perna do coitado e sabendo que o senhor era o médico dele. Então fui tratando com penicilina em visitas diárias até que secou e não tem mais ferida nenhuma nela. Foi olhar pra ela e começar a tratar e a perna já respondeu e a ferida foi secando, secando. Me diga agora o motivo dessa perna ter ficado assim enferidada até hoje. Isso realmente me intriga muito meu pai.
- Haroldo meu filho, se eu curo o homem, e isso eu podia ter feito, o que eu iria deixar para você quando começasse a trabalhar na cidade? Me diga meu filho, me diga.