Sua excelencia o jacarezinho

O Jacarezinho
Seu maior prazer era pescar. Vivia exibindo fotos de pescarias em alto mar, em riachos de águas cristalinas, em represas, etc. etc. etc. Gostava de se embrenhar no mato, curtir a natureza, ver paisagens, porque ali não tinha nenhum tipo de aborrecimento. Às vezes parava para fumar um cigarrinho entre uma paisagem e outra. Gostava da pinga do alambique do Tonhão. Ali não tinha mulher para falar das bebedeiras dele, não tinha amigos pra alertar dos perigos do fumo. E era assim que gostava de ser. Livre e fazendo o que bem entendesse. E se gabava por ser um bom homem. Honesto, trabalhador, cumpridor de seus deveres. Tinha muito orgulho de nunca ter deixado faltar nada em casa para a família, mas de vez em quando precisava de um tempo para ele, tinha esse direito. Todo mundo tinha que ter um tempo para si mesmo, nem que fosse um dia, uma hora, uma semana, isso não importava, todo mundo precisa ter seu tempo e disso ele não abria mão. No meio do mato, podia assoviar cantar a plenos pulmões, fazer ruídos que em casa só se fazia no banheiro. E aquele dia era especial. Tinha recebido o décimo terceiro salário e a restituição do imposto de renda, tudo ao mesmo tempo. A mulher pediu a reforma da cozinha, ele reformou. Pediu a troca das cortinas, trocou. Pediu para comprar uma geladeira nova, comprou. Com o que sobrou, equipou o carro com um som de última geração e se deu de presente uma pescaria no pantanal mato-grossense com seu amigo Marcão. Comprou uma maquina fotografica, a mais moderna que encontrou, comprou um blusão de couro, traia de primeira e partiu para o pantanal, deixando para trás os problemas, os aborrecimentos, os inconvenientes, os chatos e os conselhos tipo: Lá tem jacaré, cuidado com as sucuris, um amigo meu voltou de lá com uma doença, sei lá mais o que falavam. Nada interessava, com ele não ia acontecer nada. Sabia se cuidar estava acostumado e não ia arriscar sua vida, só ia se distrair um pouco.
Logo nas primeiras horas que chegaram ao pantanal, encontraram um ônibus de turistas com uma criançada que fotografavam tudo que viam pela frente. Mas ele não. Não era criança. E só iria usar sua maquina novinha, quando visse algo que realmente valesse à pena. Gostava de exibir fotos originais para os amigos. Fotos diferentes, incomuns. E assim seguiam naquela estrada de terra poeirenta e interminável. Quando de repente surgiu no meio da estrada um riozinho lamacento e uma enorme sucuri, engolindo uma capivara. Aquele sim era um momento único, que não podia deixar escapar. Pararam o carro no meio da estrada, como senhores da situação, pois o momento era muito importante e tudo justificava aquela atitude. Atrás do carro deles, parou aquele ônibus e desceu aquela criançada com aquelas maquininhas “mixuruca” e já foram fotografando sua obra de arte. Então ele desembainhou aquela super e potente máquina, que custou os olhos da cara e clic, clic, nada! clic, clic  nada. Não estava funcionando. Ficou desconcertado no meio das crianças, acho que até vermelho ficou. Até que um molequinho de nome Miltinho, franzino e sardento se aproximou e disse:
_Tio, “me deixaeu” ver sua máquina, ela é tão bonita.
Aquele: "é tão bonita" amoleceu o coração do meu amigo e até esqueceu-se da vergonha que estava passando e resolveu entregar a maquina na mão do molequinho que mexeu de cá, mexeu de lá e disse em voz alta:
_Tio, se você não colocar pilha ela não vai funcionar mesmo.
E depois gritou para todo mundo ouvir:
_A maquina do tio é bonita, mas ele não sabe usar.
O riso foi geral. Ele queria abrir um buraco no chão e entrar dentro. E o molequinho continuou:
_Ele não trouxe pilha.
Risos, muitos risos. Agora ele tinha virado chacota no meio da criançada. E seu amigo Marcão também rio junto com eles e o passeio para ele já tinha quebrado todo o encanto ali mesmo.
A sucuri terminou de engolir a capivara e sumiu no lamaçal levando junto toda a graça do passeio do meu amigo no pantanal. Mas pensando bem, o passeio estava só começando. Ele não era de desistir no meio do caminho. E tinha muito ainda para ver e fotografar. Compraria as benditas pilhas na primeira cidade que encontrasse pela frente e haveria de encontrar muitas outras sucuris engolindo alguma coisa pelo caminho.
E o passeio foi maravilhoso. Foi uma semana pescando peixe de todas as espécies. Dourado, Pintado, curimbatá, piranha, mas não encontrou nenhuma sucuri. Viu todo tipo de bicho que se possa imaginar, menos sucuri. Essa frustração ele ia ter que levar para o resto da vida. Mas... E se... Pensou... Pensou... É isso! Teve uma idéia brilhante. Um pouco antes de voltar para São Paulo, foi até o rio, próximo à pousada e achou por lá um filhote de jacaré “dando sopa”. Correu atrás do bichinho, esfolou a barriga e o cotovelo, levou uma mordida no dedo, mas conseguiu capturar a fera.
Era um filhotinho bem pequeno, que mal podia fazer? Levaria ele para casa, mostraria à família, aos amigos e depois faria uma doação espetacular ao zoológico de São Paulo. Chamaria a televisão, os jornais e inventaria uma mentira qualquer e estava tudo certo. Achou-se muito inteligente, e esperto, e criativo, porque ninguém nunca teve esta idéia antes, portanto, muito original também. Seu amigo Marcão não se opôs. A viagem era dos dois, mas resolveu bancar sozinho, a gasolina de volta, para não ter reclamação. Colocaram o bicho numa caixinha de papelão, toda furadinha para ele respirar, colocaram no porta malas e pegaram o caminho de volta logo cedo. Nem lembraram que poderiam encontrar com agentes do IBAMA.
E foi o que aconteceu. Tinham fiscais do IBAMA na fronteira do Mato Grosso com São Paulo, no meio do nada. Naquela estrada deserta, longa, sem curvas, sem morros e empoeirada. Como não pensaram nisso? E o dono da pousada porque não avisou que isso poderia acontecer? Agora estavam “fritos”. Alem de ser chamado de sem pilhas pela molecada do Pantanal, agora iria ser preso sem direito a fiança. Que nome iriam lhe dar agora? Nem queria imaginar. Só sabia de uma coisa. No Pantanal não voltava nunca mais. Isso era certo. E os agentes foram se aproximando. O Marcão tremia, ele suava. Os agentes acharam aqueles dois muito estranhos. E vasculharam o carro a procura de algo que justificasse aquela atitude suspeita deles. Nada acharam, mas não se conformaram. Mandaram abrir o porta malas para ver se havia algum animal silvestre. Vistoriou caixa por caixa de isopor com peixes. Tudo dentro da Lei. Cada examinada dos agentes, os dois tremiam e suavam. Mas outros carros foram chegando e tinha um com uma arara e um papagaio dentro. Parecia gente da região, pois engrenaram um dialeto com os agentes que os paulistas nada entendiam. Acho que até esqueceram-se deles. Eles fecharam o porta malas, entraram no carro e saíram de fininho. Os agentes não se importaram. Não haviam encontrado nada mesmo. Os dois “chisparam” dali. Bem mais adiante, já no Estado de São Paulo, exaustos, resolveram parar e procurar o jacarezinho, mas nada acharam. Seguiram viagem sem entender o paradeiro do bicho. Chegaram à capital paulista ao anoitecer, na hora do rush, pegaram um “engarrafamento” monstruoso.
-Aqui estamos nós, exaustos. Tudo por causa de uma porcaria de um jacarezinho que você nunca deveria ter tirado do Pantanal. - Disse o Marcão pensando alto, disposto a discutir o assunto.
Mas ambos estavam “encafifados”, e se perguntavam aonde tinha ido parar aquele maldito ou bem dito? Sei lá, foi muita sorte mesmo. Estavam ansiosos para chegarem em suas casas e contar as aventuras. Essa do jacarezinho seria considerada mais uma historia de pescador com certeza.
De repente, na porta do carro, saindo do meio da bagunça de capa de CDs, maços de cigarros, flanelas velhas, restos de estopa, eis que surge, sua excelência o jacarezinho do Pantanal!!!
Ainda meio sonolento e parece que faminto, pois mordia qualquer coisa que encontrava pela frente. O Marcão ficou transtornado, em estado de choque, quando viu aquele bicho asqueroso, mordiscando as capas dos seus CDs, engolindo seus cigarros, chicletes com papel e tudo. E simplesmente desviou o carro para o acostamento, freou, estacionou, abriu a porta, pegou  aquele troféu do seu amigo trapalhão pelo rabo e arremessou-o no meio do rio Tietê, sem dó nem piedade. Sem questionar se podia fazer isso ou não. Meu amigo nada falou. Se falasse o Marcão jogava ele também, tão enfurecido que estava.
Tempos depois, a imprensa falada, impressa e televisionada noticiava a presença de um jacaré no rio Tietê. Ninguém sabia explicar como aquele bicho típico do Pantanal tinha ido parar ali.

Este conto tirou o 3ºlugar no concurso literário da cidade de Jacareí SPdia 04/12/2010
Joana Aranha
Enviado por Joana Aranha em 17/05/2010
Reeditado em 24/11/2013
Código do texto: T2263423
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