O terno de linho
Criança tem cada uma ...
Quando pequeno tinha uma relação muito boa com o meu pai. Orgulhoso dos momentos em que passamos juntos, do ambientes que freqüentamos e das ações partilhadas.
Não sabia compreender o papel do meu pai na sociedade, mas percebia que era bem bacana. Com o passar dos anos é que pude saber que ele era Capitão de Turno da Mineração de ouro.
As lembranças que tenho perpassam desde o desfile no Bloco dos Sujos do Bairro Água Limpa, em que podia ver tudo do alto de seu ombro. Aos seus amigos, ele, oferecia pedaços de lingüiças que boiavam numa sopa de macarrão branco, dentro de um pinico esmaltado, obviamente esterelisado, mas com um aspecto meio estranho. Embora isto era o propósito da brincadeira.
Recordo-me também de quando íamos ao casarão colonial do Bar Calixto comer ambrosia em formato de empada e pudim de pão em forma de lata – preta – em virtude de tanto ir ao forno de fogão a lenha. Enquanto isso, meu pai bebia cerveja com os ingleses que trabalhavam com ele ( cerveja a meio século atrás eram poucos que a degustavam ) . De vez em quando eu era colocado de pé para que ele ficasse de cócoras a conversar com seus amigos.
Lembro-me que, pedi um banquinho para poder aguardar sentado, pois se ficasse agachado como o pai, cairia para trás. Por sua vez, ofereceu-me um balaio de taquara para ajudá-lo colher legumes.
Mas o que mais me fascinou fora a promessa de ganharia um terno de linho igual ao dele, para podermos sair iguais. Com relação a este episódio me lembro da minha mãe passando seu terno com ferro a brasa – inclusive tenho-o até hoje. A idéia de me vestir como ele me empolgava. Já não via a hora de ver concretizada a promessa.
Pessoa bem relacionada, ele conseguiu as máquinas para fazer um campo de futebol para o time do Estrela Futebol Clube – Estádio dos Eucaliptos. De carona com ele, pude viajar de carro rabo de peixe – importado – dos estrangeiros, seus companheiros.
Um dia isso tudo iria terminar. Aconteceu que, numa tarde, meu pai sentiu-se mal e veio a falecer. Grande fora a preocupação de meus irmãos para que eu não visse o corpo. Achava tudo aquilo muito estranho. Por que tanta gente em minha casa.
Com passar das horas, fui me desvencilhando dos irmãos e cheguei até a sala e presenciei a cena. Perguntei então para o meu irmão Waldir, que era o que mais se preocupava comigo naquele momento, o que estava acontecendo.
Muito preocupado, meu irmão tentava me explicar a condição do passamento. Que a pessoa ia para junto de Deus; que já havia cumprido a sua missão na terra; que as pessoas boas partem mais cedo ...
Vendo todos chorando, perguntei a Waldir se nosso pai voltaria. A resposta fora negativa. Não. Ele não volta mais.
_ Uai ! Então ele não vai mais me dar o terno de linho, então, não ? Fora esta a minha perplexão.
Criança tem cada uma !
Infelizmente perdi o meu grandioso pai aos três anos de idade.
Antônio Calazans