SÁBADO DE ALELUIA

Delmindo era um conceituado fazendeiro em Minas Gerais.

Sua fazenda ficava na zona da mata. Nos arredores de Carangola.

Delmindo era pai de quatro filhos: José Hott, Maria Hott, Antonio Hott e Jair Hott.

José era o grandalhão. Tinha uma envergadura de quase dois metros.

Maria era pequena e delicada. Tinha olhos verdes esmeralda.

Antonio, conhecido como Totonho, era o mais exaltado. Entretanto, era o mais obstinado. Seu senso de moral era inabalável. E jamais voltava atrás em suas decisões.

Jair era o caçula. E era o unico da família que tinha olhos escuros. Aliás, essa era a unica diferença entre ele e Totonho. Pareciam irmãos gêmeos. Tal era a semelhança entre eles.

Jair era o moleque da família.

Aquele sábado de aleluia, mudaria suas vidas para sempre.

Amanhecer de sábado.

Totonho põe os arreios em seu cavalo e sai em direção à cidade.

Jair conversa com o irmão mais velho, enquanto esta faz os ultimos preparativos para a festa.

Durante a conversa, José percebe que Totonho está voltando apressado e comenta com Jair: - Ara sô, o qui será qui aconteceu com o Totonho?

Enquanto isso, Totonho aproxima-se apressado, desmonta do seu cavalo e diz raivoso: - Cadê o pai?

- O que aconteceu Totonho - perguta Jair

Nesse momento, o velho Delmindo, com o seu peculiar semblante austero, aproxima-se e pergunta: - Qui diabos qui tá acontecendo?

Totonho demonstrando muito nervosismo diz: - Vamo lá na porteira...

José pergunta surpreso: - O que tem na porteira?

- Vamo lá... Ocês vão vê!

- Vê o que Totonho? Inté parece que ocê viu o demo...

- Vamo lá que ocês vai vê!

E os quatro puséram-se a caminho da porteira.

Caminhariam em silêncio por uns dez minutos, até chegarem ao local.

Totonho caminhava a frente, seguido pelo pai e os dois irmãos.

Quando chegaram, Totonho abriu a porteira e ficou parado, diante do pai e dos irmãos, com os braços abertos, como se esperasse por algo. Talvez, uma demonstração de indignação de um dos três. Mas, somente Jair demonstrou-se realmente indignado. E disse entre os dentes: - Isso é coisa dos safado dos Farias...

O velho Delmindo permaneceu calado, parecendo indiferente a tudo aquilo.

Totonho voutou-se para o pai e disse: - O sinhô num diz nada? Esse juda é pro sinhô. Eu vô lê o qui tá escrito no pasquim. "Veio Delmindo, veio safado. Vendeu a fia prum cachaça qui num tem ondi caí morto. Só purquê é fio dum cumpadi seu".

Enquanto isso, Jair andava de um lado para outro.

José e o pai, estavam parados, estáticos.

Por alguns momentos, pensamentos invadiram a mente do velho Delmindo. Lembrou-se da festa de noivado de sua filha: "Mariana (esposa de Delmindo) tinha razão. A festa foi um fiásco. Quando o Onofre, meu futuro genro foi fazer o pedido, estava completamente bebado. Lembro-me quando ele disse... meu futuro sogro... meu, futuro sogro... eu quiria... não eu quero... eu quero, pedi a mão da Maria, sua fia, em casamento... mai eu num quero só a mão... sí é que o sinhô intende, né! Quanta tolice..."

- Pai... Pai... tô falando com o sinhô! - Disse Totonho em voz alta, quase aos gritos.

Delmindo voltou do seu devaneio e disse: - Tô ouvindo!

- Isso é coisa daquele coisa ruim, safado, do Renê - disse Totonho - Eu vô lá na fazenda do Veio Farias e fazê aquele fio do demo vim tirá esse juda daqui.

- Dexa isso prá lá fio. Num vale a pena!

- Eu vô cocê Totonho - disse Jair.

- Ocê fica aqui. Isso é coisa de omi. E ocê ainda é um moleque.

Totonho estava decidido. Montou em seu cavalo e seguiu em direção à fazenda vizinha.

Logo que chegou à fazenda dos Farias, Totonho logo avistou o moço Renê, filho mais velho do fazendeiro. Os dois já tiveram alguns desafetos. E aquela questão era pessoal.

Totonho foi em direção de Renê, desceu apressado do cavalo e desferiu um violento soco no rosto do rapaz.

Renê foi pego de surpresa. Caiu inerte no chão. Enquanto seu pai aproximava-se apressado, para saber o que estava acontecendo. E gritou: - O qui tá acontecendo aí Totonho?

- Esse safado do seu fio, botô um juda na porteira lá da fazenda do pai. E ele tem até o meio dia prá tirá aquela bosta de lá. Sinão, eu venho aqui e acabo cum a raça dele e de quem si metê.

- E cumé qui ocê sabe qui foi o meu fio?

- Isso é coisa de omi muito safado. E eu num conheço maió safado duquê o seu fio.

- Bem Totonho, eu num quero encrenca cum o seu pai. Eu memo vô lá e vô tirá o juda.

- Nada disso. Esse safado colocô e vai tirá. Presta bem atenão, eu vô tá lá esperando, até meio dia. E ai dele se eu tivé qui vortá aqui!

Totonho montou no seu cavalo e voutou para a fazenda do seu pai, para montar guarda na porteira e esperar que o jovem Renê viesse retirar o Judas.

Totonho estava transtornado. Estava com uma espingarda de dois canos nas mãos e não parava um instante. Andava de um lado para o outro. Enquanto seu pai e os dois irmãos o observavam em silêncio.

As horas se passavam e quando já se aproximava o meio dia, o velho João Farias e seu filho Renê se aproximaram.

Totonho sorriu ironicamente e disse seguro de si: - Eu num disse que essi safado ia tirá o juda?

Mas Renê era um moço orgulhoso e teimoso. Renê ergueu o dedo indicador e disse: - Num fui eu qui coloquei nada. E num tem omi aqui qui mi faça tirá isso!

O velho Farias dirigiu-se ao vizinho Delmindo e disse: - O meu fio disse qui num foi ele. E eu acredito no meu fio. Mai prá evitá confusão, eu memo vô tirá o juda da sua portera.

Totonho apontou a espingarda para o velho Farias e disse nervoso: - O sinhô qui num si atreva. É o safado do seu fio qui vai tirá essa porqueira daí. Si não, ele pode fazê as oração, pois vô mandá ele cumversá cum o capeta.

O velho Delmindo disse: - Carma fio!

- Carma nada pai. Nóis já cunversamo demais. É hora de agi.

Totonho voutou-se para o jovem Renê e disse:- Intão, ocê vai tirá essa porqueira daí o prefere cunversá cum o capeta? O meu dedo tá coçando...

Subitamente, José, irmão de Totonho, gritou: - Para cum isso Totonho, num foi ele que botô o juda... fui eu!

- Ocê?

- Sim, foi eu. Eu fiquei danado da vida quando o pai intregô a nossa irmã Maria, praquele cachaça do Onofre. Eu num sabia mais o qui fazê e resorvi botá o juda, prá vê si o pai acorda...

Enquanto isso, o velho Delmindo ouvia a tudo, com a cabeça baixa. E pode-se notar quando duas lágrimas rolaram em sua façe.

Naioton
Enviado por Naioton em 02/05/2010
Reeditado em 23/05/2010
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