O circo dos desaparecidos

Geralmente um circo é algo que traz atrações para o entretenimento das pessoas do lugar onde ele se instala; e foi com essa expectativa que os moradores de um pequeno bairro chamado Santo Antônio do Rio Bonito, no sul do estado do Rio de Janeiro receberam uma caravana de atores circenses mambembes em sua pacata cidade.

O circo chegou numa manhã de Sexta-feira e todos os que viram a comitiva de carroças, puxadas por força de cavalos e algumas por burros, amontoadas de panos de trapos, caibros empilhados apetrechos de corda e correntes; lonas, utensílios diversos dependurados por todos os lados; tendas desmontadas e cabanas; bandeiras enroladas, vários caixotes empilhados em uma fila de seis carroças só para as caixas de todos os tamanhos.

Outras seis traziam o que parecia ser o material de montagem do circo, ferramentas tubos de ferro, vergalhões, grilhões, mais ferramentas e uma infinidade de coisas metálicas que provocavam um enorme barulho porquanto as carroças balançavam de um lado para outro nas ruas irregulares e não asfaltadas do bairro.

Mais outras seis seguiam o cortejo como numa procissão e estas traziam muitos sacos de pano cujas bocas estavam amarradas com cordéis; as sacolas estavam cheias do que parecia ser outros materiais de tecido e ou espuma, mas isso era apenas uma sensação; todas as sacolas eram de cor preta, numa olhada rápida, quem se interessou em contar averiguou que havia pelo menos trinta sacos, cada qual medindo cerca de um metro e meio e amontoados como uma pirâmide de sacolas de tecido.

A comitiva seguia.

A essa altura as pessoas já tinham notado um detalhe intrigante que acompanhava aquele circo. Cada uma das seis carroças que compunham a primeira fila; a segunda; e a terceira fila tinha seis pessoas.

Um homem vinha à frente dos animais, fosse um burro ou fosse um cavalo, e este homem ajudava-os a puxar a carroça; ele tinha uma corda segura em uma das mãos e cainhava lentamente acompanhando o compasso natural dos bichos; outros três vinham na carroça, em uma parte frontal destinada justamente para que eles ficassem sentados ali, parte esta que era separada do compartimento traseiro onde os trapos, utensílios e toda aquela velharia e bugigangas estava acondicionada.

Ao lado da carroça vinha outras duas pessoas, uma à direita e outra à esquerda, mas não era possível saber se eram homens ou mulheres, pois que usavam mantos feitos com retalhos coloridos e costurados entre si; mantos estes que lhes cobria dos pés até a cabeça, apenas seus rostos ficavam a mostra, entretanto, todos usavam máscaras, umas eram brancas, outras pretas e algumas até roxas. Cada máscara parecia ter sido confeccionada com gesso e trazia um semblante diferente; eram lisas e uma trazia olhos alegres e sorrisos felizes, outras traziam olhos e boca tristonhos, outras traziam olhos lacrimejantes e bocas escancaradas em gargalhadas mudas e algumas, as mais estranhas, tinham uma total falta de expressão, olhos e bocas indiferentes.

Estes atores mambembes vestidos daquela maneira performática envolviam a chegada da comitiva numa aura diferente e de estranheza, mas nada que fosse demasiado incomum. Ainda.

Atrás de cada carroça vinha uma mulher; essa sim, usava roupas muito justas ao corpo que delineavam as curvas femininas, mas também possuía sua máscara que não permitia que o rosto dela fosse contemplado por ninguém. Todos usavam.

As três primeiras fileiras de carroças passaram seguindo este formato; cada fila continha seis carroças que por sua vez correspondia a seis pessoas em cada. Houve um intervalo estratégico e alguns metros atrás vinham mais três filas de igual modo entulhadas de coisas dos mais diversos, tipos e gêneros; cores e formas; seguindo o formato das primeiras, porém, pintadas de cor diferente. Estas possuíam uma tonalidade azul marinho trazendo em suas laterais desenhos de lua crescente e estrelas, enquanto aquelas primeiras tinham um tom amarelo com detalhes em laranja, trazendo o desenho do sol. De fato, todas elas estavam tão surradas e maltratadas, provavelmente pelo tempo, que poucos atentaram para tanto.

No final, as seis filas com seis carroças e seis pessoas em cada chegaram ao terreno no qual montariam seu pequeno circo mambembe; era uma multidão de pessoas atarefadas em fazer o desmonte de suas coisas e a montagem do espetáculo que mostrariam aos moradores locais. Aos poucos as pessoas da pequena cidade voltaram para seus afazeres diários e só foram se dar conta de que o circo realmente estava na cidade, quebrando a rotina noturna do lugar, quando aquela música circense ecoou levada pelo vento aos quatro cantos do bairro, de igual modo, o cheiro da pipoca logo tratou de atrair crianças de todas as faixas etárias.

Obviamente, os pais iam junto, parte pela insistência das crianças, parte porque muitos deles nunca tinham ido a um circo em suas vidas e parte porque ouviram o anuncio que era tocado num aparelho amplificador de som com um auto-falante acoplado que dizia o seguinte:

_Venham! Venham todos! Ao maior espetáculo da terra!_A voz era alta, firme e alegre. E continuava_ Vejam as maravilhas trazidas dos quatro cantos do planeta e de outros lugares também!

Uma música produzida por um acordeom acompanhava ao fundo a voz do locutor.

Ele continuava dizendo:

_ Atrações que seus olhos jamais viram e talvez nunca voltem a rever. Homens e mulheres que desafiam todas as leis conhecidas e desconhecidas pelo ser humano; somente hoje e amanhã!

Quem não gosta de ver as atrações de um bom circo; pelo mundo afora grandes companhias ficaram famosas com seus mágicos, trapezistas, palhaços e outras atrações mais. Porém, aquela comitiva em especial era muito diferente das demais.

A pequena comunidade rumou sedenta por entretenimento nas duas noites de espetáculo e trouxeram suas crianças para ver os números que eram apresentados. Todos unânimes ficaram com uma sensação curiosa porque todos os artistas que se apresentaram no circo; desde os palhaços, passando pelo mágico, e todos os outros eram na verdade mímicos. Os números e apresentações eram muito bem ensaiadas e uma voz produzida pelos autofalantes era quem dizia tudo o que precisava ser dito; todas as pessoas eram mímicas. E mesmo assim o espetáculo foi sensacional, todas as pessoas; adultos e crianças, ficaram extasiados com as habilidades mostradas pelos atores com todas as suas performances.

Outra coisa também chamou a atenção dos moradores locais; a entrada para assistir as atrações foi completamente gratuita, era só chegar e entrar. Dentro da lona, também eram grátis o consumo de pipocas, pirulitos e outras guloseimas mais.

O espetáculo foi repetido nas duas noites seguintes, e durante o dia não se via ninguém nas redondezas do circo.

Por fim, ao termino do tempo anunciado em que o circo ficaria na cidade, na manhã da segunda-feira quando as pessoas acordaram o circo já tinha sido completamente retirado e não tinham deixado nem um cabo de madeira ou pedaço de pano que fosse; eles saíram da cidade e não ficou nada para trás.

Conforme as famílias iam acordando o terror foi se instalando na população da pequena cidade, pois os pais iam averiguando que todas as crianças menores de um ano haviam desaparecido, fantasmagoricamente, de suas casas sem deixar vestígios. Não havia nem uma porta arrombada, nem janelas abertas, nem nada que indicasse invasões nas casas; as crianças desapareceram de modo inexplicável.

A história se espalhou e pessoas de um outro pequeno município contaram que um fato semelhante já tinha acontecido duas décadas atrás; à época, tal como desta vez, autoridades foram acionadas e buscas foram feitas, mas as crianças jamais foram encontradas.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 25/04/2010
Reeditado em 28/04/2010
Código do texto: T2218552
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