O inconsciente nojento

O doutor Freud criou um monte de novos conceitos que povoaram os dias prosaicos dos intelectuais do final do século 19 e incendiaram a imaginação das pessoas comuns do século 20.

Dentre eles está o inconsciente, algo do qual não tomamos conhecimento, mas que parece governar o nosso cotidiano, nos fazendo cometer pequenas gafes que podem nos fazer corar de vergonha.

Em sua “Psicopatologia da vida cotidiana” o doutor Freud ilustrou isso com exemplos simples. Tais gafes podem causar tanto embaraço, que um amigo, já de meia idade, veterano dos sofás dos psicanalistas, o chama de inconsciente nojento, quando ele emite os assim chamados “Atos Falhos”. Acho até que tal denominação é inadequada, porque, no fundo, nada falhou; o inconsciente mostrou as suas garras para o nosso ser consciente pretensioso e que se acha fino e bem educado.

Ah! Porque eu fui falar aquela besteira sobre a pobre da Bertinha?

A Berta era uma garota feia e desengonçada, carente de afeto, que se aproveitava de qualquer chance para se oferecer. Alguém disse: “Ih!, lá vem a Bertinha”. Eu disse: ”então vamos comer”, quando na realidade queria dizer: “então vamos correr”. Ato falho, inconsciente nojento, Freud explica. Explica?

Bem, mas o Ato Falho para ser autêntico tem que preencher a dois requisitos: ser involuntário e ocorrer inconscientemente, o que no fundo é a mesma coisa, surpreendendo até ao seu infeliz autor; (se o presidente dos Estados Unidos, em discurso, confundir o Brasil com a Bolívia, ou o Rio de Janeiro com Buenos Aires, isso, talvez não seja Ato Falho, mas pura e simples ignorância).

Uma outra categoria que o doutor Freud criou, que também nos faz corar de vergonha, é a chamada “Inveja do Pênis”. Assim, as meninas teriam, segundo ele, inveja do pênis dos meninos; na minha sagrada ignorância, porque esse não é o motivo real, não, o buraco é muito mais embaixo, eu achava que era, no mínimo, porque a ferramenta permite aos meninos urinar de pé, enquanto elas, coitadas, têm que se submeter a um ritual constrangedor de fazê-lo de cócoras, em caso de emergência, longe de um banheiro, atrás de alguma moita.

Então, as mulheres, no século vinte, encararam frontalmente o machismo, disputando com os homens em todas as frentes, inclusive no mercado de trabalho e na política. Um machista empedernido diria, com desprezo: “Inveja do pênis...”. Será?

Os dois conceitos freudianos operando conjuntamente, foram capazes de criar o mais perfeito ato falho que já ouvi.

Conheci uma mulher moderna, que após se divorciar, passou a estudar com afinco, iniciou-se nos negócios com a fúria de um dragão avassalador, ganhando muito dinheiro, liderando equipes de vendas com centenas de pessoas.

Ela tinha o maior prazer quando os subalternos vinham lamber as suas botas de mulher vitoriosa. Orgulhosa, desfilava o seu poder e saber, nas altas rodas da sociedade, pensando em como poderia humilhar o seu ex-marido.

“Sofri muito nas mãos daquele homem. Agora ganho cem vezes mais do que ele. Minha aposentadoria está garantida, com rendimentos financeiros e aluguéis, muito mais do que os mil e duzentos reais que aquele cretino vai conseguir depois de trinta e cinco anos de trabalho. Bem feito!”

Mas, o ato falho faz o seu trabalho devastador. Às vezes, não é o que se fala, ou faz; às vezes o que se distorce é a audição, a gente passa a ouvir tudo errado. E isso também pode ser um bom exemplo de ato falho. Estávamos conversando temas de negócios, tão ao gosto da poderosa dama de ferro, quando alguém falou em ato falho, assim como eu estou falando neste momento. Ela não ouviu muito bem, e emendou, senhora de si: “Ato fálico, o que é que é isso mesmo?”

Freud explica: é inveja do pênis! Será?