O Sargento e a Mula

O dia era o próprio sol esbanjando um calor aconchegante, cheio de boas promessas para uma viagem há muito planejada pela família. Depois de tudo preparado, partimos rumo à preguiça consentida para comer, beber, dormir, e alimentar o ócio no carnaval. Munidos de pouca bagagem lá fomos nós rumo à fazenda do cunhado. Chegamos no fim da tarde. A chegada virou uma festa. Do som do carro extraíram música que incentivou algumas pessoas a dançarem, enquanto outras, acomodados nas suas cadeiras queriam ouvir, beber cerveja e conversar.

Entre nós havia um sargento que entrara para família, casando-se com uma sobrinha. E por umas destas coincidências fatais, chegaram também uns peões trazendo animais arreados. O sargento que possuía, acima de tudo um espírito aventureiro e gostava de enfrentar os desafios e, querendo mostrar que era mais forte, mais hábil e mais corajoso que todos quantos ali estavam, resolveu montar um dos animais. Ele conhecia a lei da causa e do efeito, mas seus impulsos estavam muito além dela. Assim, ignorando a própria intuição e não ouvindo os peões que o avisaram do perigo, escolheu uma mula para montar.

Assim, num pulo, acomodou-se na sela do belo animal. Deu um breve puxão nas rédeas e saiu cavalgando. A mula resistia. Ela não era uma mula definitivamente como as outras. Era xucra e em fase de amansamento. Não gostava de ser montada. Só aceitava os peões da fazenda no seu lombo porque não conseguia derrubá-los. Desde que chegara a fazenda, ser montada era um desaforo muito grande para ela, e orgulhosa, insistia sempre em não se deixar dominar.

O sargento só queria exibir as suas habilidades de cavaleiro, ou melhor, de amansador de burro bravo. Para ele, sair montado naquela mula vistosa e xucra, em-balado ao ritmo do balanço da montaria, além de um desafio, era um delírio.

Já no meio do caminho sentiu que a mula ia muito devagar, às vezes, empacando-se. Esporeou-a com força. Depois soltou as rédeas e deixou que ela tomasse a estrada rumo ao pasto. Ela foi. No caminho de terra batida no meio do capim, a mula passou do trote ao galope e do galope à corrida, disparando-se pela estrada com o intuito de derrubá-lo.

Ao perceber sua intenção e que também perdia o controle sobre ela, o sargento tentou contê-la, agarrando-se como um carrapato as rédeas. Mas não conseguiu. A mula era mais forte. E por mais que ele tentasse, ela não o obedecia. Como não era uma mula definitivamente como as outras e vendo que não conseguia derrubá-lo com uma simples carreira, passou a executar uma serie de pinotes, em pulos rápidos e firmes, pois sabia que só pulando e pulando conseguiria se livrar daquele peso incô-modo.

Quando parecia que o sargento assumiria o controle da situação ele sofreu um duro golpe. As correias arrebentaram-se e a sela escorreu para a cabeça do animal, fazendo-o perder por completo o equilíbrio e cair. Na queda, bateu com o cotovelo direito ao chão que ficou todo esfolado. O mesmo aconteceu com seu joelho esquerdo.

A dor era intensa. Todos que assistiam aquela demonstração de coragem e determinação caíram em estrondosa gargalhada, e por muito tempo, ainda fizeram piadas da sua desventura. Na verdade, ele só queria mesmo era mostrar suas habilidades de amansador de burro bravo. Não conseguiu. Isto sim, foi o que mais doeu.

No entanto nem tudo era caçoada. Logo apareceu uma tia, com uma garrafa e um chumaço de algodão molhado para curar seus ferimentos.

- Vou passar arnica com cachaça.

Foi à primeira receita. Ela molhou o algodão no liquido e passou no cotovelo e joelho dele. Ardia muito, mas bancou o forte.

- Sabe que nos machucados lá em casa eu passo limão e melhora num instante, disse uma outra tia. Experimente esse aqui, você vai ficar bom logo, quer tentar?

- Dói só de pensar.

- Mas, melhora logo.O local fica anestesiado e você não sentirá mais dor.

- Tudo bem. – Suspirou o sargento resignado

Imediatamente um limão foi esfregado nos seu cotovelo e joelho, doeu mais ainda. Ele quase desmaiou.

Quando já se sentia aliviado dos efeitos doloridos do limão, apareceu alguém com uma receita mágica: vinagre e sal.

- Deixe-me passar no seu braço e no joelho e logo estarão curados.

- Deus me livre!

E saiu correndo com dificuldade, mas conseguiu escapar. Não queria mais saber de nenhum remédio caseiro. O tratamento doía mais que a enfermidade.

Depois ..., já refeito do tombo e do tratamento, sentou-se em uma das mesas para tomar uma cerveja, sossegado. Ledo engano. Continuou a ouvir as piadas e as caçoadas dos parentes e amigos.