O Caso dos Discos... Isto é, dos Processos Voadores
I
Quando comecei a escrever este caso, lembrei-me imediatamente de um acontecimento semelhante narrado no primeiro volume das Histórias da Justiça do Trabalho, no chamado Caso da Saia Voadora.
Na página 45 daquela obra, uma colega que laborava no Fórum Trabalhista de Betim acabou literalmente vendo a sua saia desaparecer nos céus num dia de ventania. Ela - a saia, é claro - saíra voando da janela do banheiro de uma das Varas do Trabalho para pousar solenemente sobre uma mangueira localizada num lote vago situado ao lado daquele edifício.
Já no presente caso iremos observar não o vôo inusitado de uma saia aeroespacial, mas a viagem alada de uns autos, os chamados processos voadores.
Porém - e antes de dar início à história que se segue - devo esclarecer que este caso ocorreu tempos atrás no antigo prédio da Justiça do Trabalho do Estado de Minas Gerais, localizado entre as esquina das ruas Curitiba e Tamóios, na região central de Belo Horizonte.
Naquele tempo tanto a primeira instância (que na época era composta pelas Juntas de Conciliação e Julgamento) quanto a segunda se localizavam no mesmo edifício.
Para que o leigo compreenda melhor essas questões, faz-se necessário que se explique que o Poder Judiciário brasileiro se divide em três instâncias. Isto quer dizer que um processo pode ser julgado em três ocasiões distintas dentro do Poder Judiciário e até que uma decisão final - à qual não cabe mais recurso - seja tomada.
A primeira instância é a que analisa e julga inicialmente um caso apresentado ao Judiciário. Ela quase sempre é representada pelos Juízes. Assim, quando um juiz toma uma decisão a respeito de uma ação, diz-se que passou a existir uma sentença de 1ª instância ou de 1º grau.
Em seguida, caso uma das partes interessadas do processo (o autor ou o réu) não concorde com a decisão deste primeiro julgador, pode interpor recurso requerendo que o caso seja novamente analisado e a decisão reavaliada.
Então a segunda instância reexamina a decisão inicial. Esta instância tem o poder para modificar ou manter a primeira decisão. Finalmente, casos controversos podem ainda ser enviados à uma terceira instância que tomará uma decisão final à qual não caberá mais recurso.
Devo registrar que no caso específico da Justiça do Trabalho as instâncias se dividem da seguinte forma: a primeira é composta atualmente pelas Varas do Trabalho. Estas são representadas por um juiz do trabalho titular e outro substituto. No Brasil são 1.109 Varas do Trabalho, com 2.288 juízes, sendo 1.109 titulares e 1.179 substitutos.
A segunda instância é composta pelos diversos Tribunais Regionais do Trabalho. Os Tribunais estão instalados no Distrito Federal e em vinte e dois Estados. E a terceira instância, afinal, é composta pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Dito isso, vamos ao caso.
II
Como afirmado anteriormente, as duas instâncias trabalhistas de Minas Gerais localizavam-se em tempos idos e não muito distantes no mesmo prédio. O Tribunal ocupava os andares superiores enquanto que as antigas juntas de conciliação se localizavam nos primeiros.
Temos então que naquela segunda instância – mais especificamente ali pelo sexto ou sétimo andares daquele edifício - trabalhava uma servidora muito diligente e caprichosa nos seus afazeres diários, como soam sempre ser as funcionárias deste Egrégio Tribunal.
No entanto – e como nem tudo pode de fato ser completamente perfeito - carregava aquela servidora um grave defeito e uma característica intrigante. O defeito era o de ser bastante turrona: quando decidia uma coisa não havia jeito de fazer com que mudasse de idéia ou opinião. Já a característica intrigante era a de ter verdadeira mania de colocar processos nos beirais da janela que se situava mais próxima de sua mesa. Como a mesa era um pouco estreita, faltava nela um espaço onde coubessem todos os processos com que a moça labutava diariamente. Logrou então criar esse espaço necessário nos beirais daquela janela, como se essa fosse uma extensão da sua mesa.
Não foram poucas as vezes, porém, que seus colegas a haviam alertado à respeito da possibilidade iminente e constante de um acidente com aqueles autos meio que deixados ao deus-dará na janela.
Alguém - insistiam os seus amigos – alguém poderia esbarrar sem querer nos processos fazendo com que despencassem daquela altura considerável e sofressem avarias e danos no choque com as partes internas do edifício.
Ainda assim insistia a nossa “diva” em colocar os referidos autos em sua janela enquanto exercia o seu sagrado labor diário.
Mas o fato – minhas senhoras e meus senhores – o fato é que um dia a casa realmente caiu: todos aqueles conselhos e avisos acabaram se revelando nas previsões de um acidente deveras curioso.
O caso foi que ela própria - a nossa diva altiva e diligente - esbarrou equivocadamente em três processos que se encontravam apoiados na janela. Imediatamente a colega ali se debruçou quase que de maneira tão perigosa quanto aquela em que ainda a pouco deixara os autos e viu que eles não haviam se machucado muito na queda. Aliás, haviam estacionado estranhamente sobre a porção externa do aparelho de ar condicionado que guarnecia a janela de um dos andares inferiores do prédio.
Querem saber o que aconteceu em seguida? A nossa colega desceu como um corisco até o referido andar do edifício, invadiu a Secretaria da Junta e em seguida a sala das audiências que se encontrava naquele momento apinhada de pessoas, o juiz, as partes e seus advogados.
Olhou para todos com olhar súplice e, esboçando um sorriso tímido e sem jeito, pediu dois minutinhos ao juiz e às partes que assistiam a tudo aquilo estupefatas e de olhos arregalados. Ninguém parecia acreditar no que estava presenciando.
Em seguida ela se dirigiu até a janela da sala e com alguma dificuldade conseguiu retirar de lá os seus processos voadores. Deu uma bela olhada em suas capas e lombadas e, vendo que se encontrava tudo praticamente em ordem, agradeceu a todos e se retirou o mais rápido que pode.
Conclusão de toda aquela peleja: nunca mais a nossa companheira ousou colocar processos em sua janela. O chefe do gabinete solicitou que o setor de carpintaria do tribunal lhe fizesse uma banqueta ou mesinha que amparasse e mantivesse os processos o mais próximos possível da mesa da servidora e suficientemente distantes do alcance daquela janela “abençoada”.
Finalizando, devo comentar que na época correu o boato de que os referidos processos teriam caído sobre o aparelho de ar condicionado que guarnecia a sala de audiências da antiga 2ª. Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte, no exato momento em que estava se realizando mais uma audiência sob a presidência do Excelentíssimo Juiz e atual Desembargador do Egrégio Tribunal do Trabalho da 3ª. Região, Dr. Bolívar Viégas Peixoto.
Certeza mesmo sobre isso só ele poderia nos dar. Ou algum dos demais colegas que naquela época trabalhasse na Secretaria da 2ª. Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte!