O casamento do meu tio
A tarde já findava naquele domingo de agosto, quando trote de cavalos se ouvia na estrada deserta. Entre os cavaleiros um diálogo interminável se dava com várias gesticulações dos membros. Um deles, pouco mais jovem que o outro, tinha a semblante mais sereno enquanto seu parceiro se mostrava tenso na testa franzida. A cavalgada vinha em trote lento como quem não tem pressa ou não quer chegar.
Chegado ao cume de uma serra, o menos jovem dos cavaleiros apiou e por alguns instantes hesitou se descia ou não até em baixo onde uma pequena choupana a beira de um brejo dava ares de habitada. Pelo horário o crepúsculo vespertino já embaçava as vistas naquela cava para não dizer buraco, onde os sapos já executavam suas sinfonias dando um tom melancólico ao lugar. Após tanta hesitação e tomadas de opinião com o parceiro, resolveu enfim dar prosseguimento em seu intento. Descera cautelosamente o "barranco" e a uns cinco metros da humilde residência teve outra hesitação mas um sinal de positivo do companheiro reanimou-o novamente. Aproximou-se da parede dos fundos e deu um leve toque numa pequena janela. Grunhiu umas poucas palavras e a janelinha se abriu lentamente sendo possível perceber a luz azulada de um lampião de gás . Em seguida uma trouxa mal amarrada transpassava o limiar da janelinha caindo na relva provocando um baque surdo. Não tardou e uma perna apareceu, em seguida a outra, um tronco gordo, peitos, cabeça, enfim uma mulher. Bem jovial e não tanto bela.
Cavalheiristicamente, o rapaz tomou a trouxa e correu até o cavalo junto ao cúmplice que já não conseguia enxergar as cenas que se passavam no brejo pois a noite finalmente caíra. A moça ofegante chegou em seguida, já vermelha pelo grande esforço que fizera ao subir correndo a cava. Recuperado o fôlego deu um beijo no herói que a roubara da casa de seus genitores. Ele por sua vez respondera com o mesmo gesto, embora com menor entusiasmo. Naquele ermo os "nubentes" trocavam carícias pré-nupciais indiferentes a presença do cavaleiro mais jovem.
Pouco durou aquele momento, a noite avançava e era preciso voltar para casa antes que os pais da moça gorda dessem por sua falta. Com pouco de esforço e a ajuda do mais jovem, conseguiram ajudar a manceba a se ajeitar no cavalo. A trouxa ia no outro. O casal num só cavalo cavalgava a passos lentos enquanto mais a frente o outro, dividindo o cavalo com a trouxa, ia com ânsia de chegar. Depois de mais de duas léguas de cavalgadura os "nubentes" deixaram o mais novo seguir sozinho tomando o cuidado de pegar a trouxa e de desejar-lhe boa viajem. Numa grota não muito diferente da primeira apiaram, marido e mulher felizes da vida. Unidos sob a lua e as estrelas.
O solitário cavaleiro depois de deixar a sós o novo casal chegava na cidade após mais duas horas de solitária cavalgada. Naquela noite, ou melhor, resto de noite, dormira como um anjo e com a consciência de ter feito algo de bom. A satisfação tomara conta de seu interior, por ter sido a única testemunha daquela união. Sim somente ele foi quem testemunhou o casamento de seu tio.