CAÇADOR DE PREÁ
Não sabia com quantos paus se fazia uma canoa, e nem quem havia nascido primeiro, se o ovo ou a galinha. Mas sabia como ninguém armar uma boa arapuca para caçar preá.
Já havia apanhado mais de mil, sem contar os que escaparam por pouco. Ah, se fossem contar os “quase apanhados” a conta já subia para os mil e quinhentos.
Uma noite, daquelas noites iluminadas por uma lua cheia e magnífica, decidiu sair pra caçar preá. Apanhou algumas cenouras do pomar da dona Ziza, e uns poucos gravetos da caixa de lenha do seu Tomás. Pegou toda a tralha e foi pro meio do mato armar as arapucas.
Infiltrado no coração da mata, armou uma, duas, três arapucas e ficou espreitando em uma moita.
Esperou, espreitou, espreguiçou-se... e nada de preá.
Achou que ainda era cedo. Talvez os danados preás estivessem ali observando. Talvez o vissem chegando com a tranqueirada toda, e agora estavam quietinhos espreitando em alguma toca.
Logo veio o sono e o pobre diabo adormeceu debaixo da moita.
Acordou muito tempo depois, com o orvalho lhe umedecendo a camisa e o rosto sardento. Levantou-se com cuidado para observar as armadilhas. Nada de preá ou de coelho. Mas para sua surpresa cenoura já não havia por ali.
Ficou pasmo! Nunca havia perdido uma isca sequer! Quem diria três de uma vez só! E isso ali bem debaixo de suas poucas barbas!
Estava inconformado com aquela situação. O que o povo iria dizer se voltasse sem nenhuma caça pendurada na vara? No mínimo que ele não era mais o mesmo! Já até podia ouvir a gritaria da molecada do vilarejo: Cadê o grande caçador de preá? A que outro grupinho responderia: Já não caça nem uma pulga num cachorro sarnento!
Sentou-se no velho tronco de carvalho e ficou ali, sem animo pra voltar pra casa. Ficou ali mesmo, matutando. Se não pode caçar preá, quem sabe pudesse caçar alguma idéia para lhe salvar a reputação caçadora!
Afinal depois de muito pensar caiu-lhe na arapuca da mente uma idéia! Diria que fora atacado por uma onça, que tinha lutado com a bicha ferozmente, até que depois de quase meia hora de luta a fera acabara fugindo, deixando ele naquele estado. Com isso, além de se livrar do risco do desprestígio ainda sairia daquela história como herói.
Tendo decidido, pegou o canivete e começou a fazer alguns pequenos cortes nos braços e nas pernas a fim de simular as garras do bicho. Também rasgou alguns pedaços da roupa, desgrenhou os cabelos e rolou pelo terreiro. Quem o visse naquela situação jamais poderia duvidar da luta furiosa que havia travado com a fera.
Foi indo então pro vilarejo, todo esfarrapado e ensanguentado, mas com a cabeça erguida, nariz quase riscando o céu. Logo os matutos que lhe encontravam pelo caminho foram perguntando a razão de tal calamidade, e tão logo ele contava a história fantástica da onça que lhe havia comido a caça, e que ele tentou recuperar, quase morrendo nas garras da fera. Mas, enfim havia se atarracado com a bicha, que acabaram fugindo mata adentro, lhe deixando naquela situação.
Tal qual fogo que se alastra no mato seco, assim espalhou-se pela região o feito do matuto valente. O povo só falava nisso! Tornou-se um herói, admirado pelos matutos e adorado pelas donzelas da região!
No entanto, custou bem caro ao pobre caipira o embuste. Acabou lhe infeccionando os ferimentos, que em menos de uma semana levou o pobre à sepultura, onde até hoje se lê em uma lápide abandonada: “Aqui jaz o caboclo mais valente que já viveu nessa terra esquecida!”