O DIA EM QUE MEU PAI ME MATOU
Você sabe qual é meu prenome? Acho que não. Deve saber meu apelido, que não chega necessariamente a sê-lo, pois é nome de família, um cognome. Depois eu conto... Tenha paciência. Mas são justamente as alcunhas que deram motivo a esta crônica e até outra por título “Histórias que apelidos contam”.
São particularmente interessantes alguns apelidos que a gente ouve por aí, principalmente, no meio futebolístico. Muitos deles eu os acho bonitos, diria melhor, diferentes: Obina, Vampeta, Marião, Biriguidi e tantos outros.
Na minha Santa Maria da Vitória, há de montão, alguns impronunciáveis – aqui – porque por lá todo mundo fala com a maior naturalidade, nem se dando conta de que são termos chulos. Hoje, entretanto, depois de quase três decênios vivendo em Salvador, quando os ouço, vem-me a inevitável nostalgia e risíveis lembranças.
Outro dia, liguei para um conterrâneo e quem me atendeu foi a secretária do lar:
– Bom dia! Por favor, Preto está?
– Aqui não tem nenhum Preto, não, meu senhor.
– Como não? Aí não é a casa de um rapaz de Santa Maria, filho de Tiãozinho do Mercado, que é médico?
– É, sim. Mas o nome dele não é Preto, não, meu senhor. O nome dele é doutor Reinaldo Ataíde.
– Tá bem, diz a ele que Novais, de Santa Maria da Vitória, ligou – deixei meu telefone e Preto, gentilmente, retornou a ligação com o sorriso de praxe.
Ainda sobre meu compatrício, seu tio Arnaldinho me contou que ele fez uma cirurgia numa amiga santa-mariense que, já se recuperando na sala de pós-operatório, começou a balbuciar:
– Cadê Pretim? Eu quero Pretim. Traz Pretim aqui, pelo amor de Deus.
O estranho apelo deixou os médicos perplexos, pois o amigo dela, Pretinho, não estava presente. Quando doutor Reinaldo chegou, o episódio lhe foi narrado e ele, para surpresa dos seus pares, confessou:
– Pretinho sou eu, moço, é que ela só me conhece assim.
A despeito ainda de algumas histórias sobre apelido, lembro-me que Vando Valeijo, um amigo soteropolitano, me ligou certo dia:
– Novais, tô aqui num consultório e descobri que o médico que tá me atendendo é da sua terra. O nome dele é doutor José Otávio. Você conhece ele (sic)? – respondi-lhe que não, porque o nome não me parecia familiar.
Novamente o telefone tocou. Era Vando com mais informações:
– Ele me disse que lhe conhece, que seu pai é sapateiro, amigo do pai dele, também médico. E dos antigos da cidade. O nome dele é Aziel – foi, então, que a “ficha caiu”:
– Sei, sim. Claro que conheço. É Pinha de Aziel, doutor Pinha. Só que eu nunca soube que seu nome fosse José Otávio. Sempre o chamei assim. Eu e nossos contemporâneos. Dê-lhe um abraço por mim – finalizei.
Agora, que já falamos muito, lembra-se do título desta crônica? Então eu vou contar: Meu pai registrou-me Adnil, nome do pai dele, só que jamais assim fui chamado. É que meu tio materno, Osias Almeida, também poeta, achava o nome pouco sonoro e feminino. Desse modo, passou a chamar-me apenas Novais. E assim ficou. Tanto é que, na minha cachimônia, coexistem os dois: Adnil, o estudante aplicado e introvertido, e Novais, que sou eu, verdadeiramente.
Certa ocasião, entrou um brejeiro na sapataria do meu pai e saudou-o:
– Adeusim, Bastião! Cuma tem passado? Cumé que tá Adnil?
– Adnyl tá embaixo de sete-palmos, companheiro. E já faz é um tempão.
– Oxente, home, deixa de caçoada! Tá pilheriano? Ou será que tô ficando abilobado? Inda isturdia (outro dia), eu vi ele na feira, alegre e sastifeito (sic). Cê quer dizer, entonce, que o seu fii morreu?
– Morreu não, moço! Eu é que pensei que cê perguntou por meu pai. Novais tá vivim-da-silva, graças a Deus. É qu’eu esqueço que o nome dele também é Adnil.
Finalmente, a propósito do meu nome, veja o que me restou desse bolodório todo: eu, que sou filho de Tião de Adnyl, sou também Adnil de Tião. Ou, para ser mais claro e evitar qualquer possibilidade de homonímia, sou – sem dúvida: Adnil de Tião de Adnyl.
NOVAIS NETO. Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória. Salvador: NN, 2009, p. 141.
Você sabe qual é meu prenome? Acho que não. Deve saber meu apelido, que não chega necessariamente a sê-lo, pois é nome de família, um cognome. Depois eu conto... Tenha paciência. Mas são justamente as alcunhas que deram motivo a esta crônica e até outra por título “Histórias que apelidos contam”.
São particularmente interessantes alguns apelidos que a gente ouve por aí, principalmente, no meio futebolístico. Muitos deles eu os acho bonitos, diria melhor, diferentes: Obina, Vampeta, Marião, Biriguidi e tantos outros.
Na minha Santa Maria da Vitória, há de montão, alguns impronunciáveis – aqui – porque por lá todo mundo fala com a maior naturalidade, nem se dando conta de que são termos chulos. Hoje, entretanto, depois de quase três decênios vivendo em Salvador, quando os ouço, vem-me a inevitável nostalgia e risíveis lembranças.
Outro dia, liguei para um conterrâneo e quem me atendeu foi a secretária do lar:
– Bom dia! Por favor, Preto está?
– Aqui não tem nenhum Preto, não, meu senhor.
– Como não? Aí não é a casa de um rapaz de Santa Maria, filho de Tiãozinho do Mercado, que é médico?
– É, sim. Mas o nome dele não é Preto, não, meu senhor. O nome dele é doutor Reinaldo Ataíde.
– Tá bem, diz a ele que Novais, de Santa Maria da Vitória, ligou – deixei meu telefone e Preto, gentilmente, retornou a ligação com o sorriso de praxe.
Ainda sobre meu compatrício, seu tio Arnaldinho me contou que ele fez uma cirurgia numa amiga santa-mariense que, já se recuperando na sala de pós-operatório, começou a balbuciar:
– Cadê Pretim? Eu quero Pretim. Traz Pretim aqui, pelo amor de Deus.
O estranho apelo deixou os médicos perplexos, pois o amigo dela, Pretinho, não estava presente. Quando doutor Reinaldo chegou, o episódio lhe foi narrado e ele, para surpresa dos seus pares, confessou:
– Pretinho sou eu, moço, é que ela só me conhece assim.
A despeito ainda de algumas histórias sobre apelido, lembro-me que Vando Valeijo, um amigo soteropolitano, me ligou certo dia:
– Novais, tô aqui num consultório e descobri que o médico que tá me atendendo é da sua terra. O nome dele é doutor José Otávio. Você conhece ele (sic)? – respondi-lhe que não, porque o nome não me parecia familiar.
Novamente o telefone tocou. Era Vando com mais informações:
– Ele me disse que lhe conhece, que seu pai é sapateiro, amigo do pai dele, também médico. E dos antigos da cidade. O nome dele é Aziel – foi, então, que a “ficha caiu”:
– Sei, sim. Claro que conheço. É Pinha de Aziel, doutor Pinha. Só que eu nunca soube que seu nome fosse José Otávio. Sempre o chamei assim. Eu e nossos contemporâneos. Dê-lhe um abraço por mim – finalizei.
Agora, que já falamos muito, lembra-se do título desta crônica? Então eu vou contar: Meu pai registrou-me Adnil, nome do pai dele, só que jamais assim fui chamado. É que meu tio materno, Osias Almeida, também poeta, achava o nome pouco sonoro e feminino. Desse modo, passou a chamar-me apenas Novais. E assim ficou. Tanto é que, na minha cachimônia, coexistem os dois: Adnil, o estudante aplicado e introvertido, e Novais, que sou eu, verdadeiramente.
Certa ocasião, entrou um brejeiro na sapataria do meu pai e saudou-o:
– Adeusim, Bastião! Cuma tem passado? Cumé que tá Adnil?
– Adnyl tá embaixo de sete-palmos, companheiro. E já faz é um tempão.
– Oxente, home, deixa de caçoada! Tá pilheriano? Ou será que tô ficando abilobado? Inda isturdia (outro dia), eu vi ele na feira, alegre e sastifeito (sic). Cê quer dizer, entonce, que o seu fii morreu?
– Morreu não, moço! Eu é que pensei que cê perguntou por meu pai. Novais tá vivim-da-silva, graças a Deus. É qu’eu esqueço que o nome dele também é Adnil.
Finalmente, a propósito do meu nome, veja o que me restou desse bolodório todo: eu, que sou filho de Tião de Adnyl, sou também Adnil de Tião. Ou, para ser mais claro e evitar qualquer possibilidade de homonímia, sou – sem dúvida: Adnil de Tião de Adnyl.
NOVAIS NETO. Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória. Salvador: NN, 2009, p. 141.