O HOMEM QUE MATOU O CABO DA TOMADA DO FERRO ELÉTRICO
Era noitinha. No Oriente, a estrela Dalva já começava a reluzir. Eu, meu irmão e meu pai, naquela estradinha de chão, um areão danado, marginada por esparsos casebres, já acendendo seus candeeiros, voltávamos da Sambaíba para casa, depois de haver apartado os bezerros das vacas.
De repente, de uma humilde casinha, sai uma senhora espavorida, com uma renque de meninos nus da cintura pra riba, olha para o meu pai com a cara assustada e, aos berros, pede socorro:
– Seu Tião, seu Tião, pelo amor de Deus, me acode. Tem uma cobra no meu quarto.
– Calma, sá Protila, calma! Eu vou ver o que é primeiro. Mas isso não é caçoada, não, sá Protila?
– Que caçoada, seu Tião. E eu sou lá muié de brincadeira, seu Tião? Ela tá no quartim do fundo, de junto da cozinha. Quando entrei lá, dei fé da bicha bem no meim do quarto. Assunta direitim que o sinhô vai ver ela.
Antes de entrar na casa daquela desesperada senhora, ele nos aconselhou:
– Num entra ninguém comigo, não. Vou assuntar primeiro.
E, pé ante pé, com todo cuidado que a ocasião exigia, pois o rancho já estava bem escuro, ele foi embocando. Olhou, olhou e concluiu a investigação:
– Pelo tamanho, eu acho que é uma jaracuçu. Tá no meim do quarto mesmo, sá Protila. Vou arrumar uma vara pra esbagaçar essa bicha.
– Vixe! Maria Santíssima! Num fala uma desgrama dessa, não, seu Tião. Quase que essa infeliz me pega. Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, me potrege (sic). Escapei por um milagre da minha santinha! Serepente (sic) é um bichim muito arriscoso, seu Tião, coidado (sic).
Nesse ínterim, um dos filhos de sá Protila, o mais pichutitinho, o raspa de tacho, cara de trinchete, vai entrando na casa, matreiramente, quando ela o esgoelou:
– Sai daí, traste ruim. Deixa de saliência, seu exibido. Eta! menino lutrido da desgrama. Se esse troço te morder um tiquim assim, seu malino, cê tá é pebado, cê vai bater diretim no Santa Verônica. Vai, pestiado, vai caçar o que fazer! Deixa de xeretar o que num é de sua conta. Num tá veno que isso é serviço pra home que nem seu Tião? Vai, cai fora daí, seu diacho desgramado e vê se pára com eguagem!
Seu Tião, enquanto isso, procura numa cerca mais próxima, a melhor vara, aquela mais certinha e comprida, para tentar dar fim à peçonhenta.
Volta à casa de sá Protila, pede silêncio absoluto, posiciona-se na porta do quarto e sapeca a vara. Dá umas cinco ou seis varadas, espia de novo, e desconfia:
– Ê, sá Protila, num tá pareceno cobra, não. Tá é paradinha. – Mas, por via das dúvidas, ele dá outras tantas varadas e a danada continua inerte no meio do quarto.
Resolve, por fim, com muito receio, enfiar a vara debaixo do corpo do suposto ofídio e o atira bem no meio do quintal.
Quando a bichinha caiu lá no meio do terreiro, a meninada, que assistia a tudo com muita atenção e curiosidade, dá uma tremenda gargalhada e o matador de cobra, com um risinho meio sem graça, constata, enraivado:
– Sá Protila, sá Protila, num é cobra, não, sá Protila. É um cabo de tomada, e eu aqui bestano qui nem trouxa, só perdeno meu tempo! Home quá, eu tenho mais o que fazer, sá Protila! – E o matador de cobra, eu e meu irmão exalamos no mundo com uma quente e outra fervendo.
NOVAIS NETO. Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória. Salvador: NN, 2009, p. 131.
Era noitinha. No Oriente, a estrela Dalva já começava a reluzir. Eu, meu irmão e meu pai, naquela estradinha de chão, um areão danado, marginada por esparsos casebres, já acendendo seus candeeiros, voltávamos da Sambaíba para casa, depois de haver apartado os bezerros das vacas.
De repente, de uma humilde casinha, sai uma senhora espavorida, com uma renque de meninos nus da cintura pra riba, olha para o meu pai com a cara assustada e, aos berros, pede socorro:
– Seu Tião, seu Tião, pelo amor de Deus, me acode. Tem uma cobra no meu quarto.
– Calma, sá Protila, calma! Eu vou ver o que é primeiro. Mas isso não é caçoada, não, sá Protila?
– Que caçoada, seu Tião. E eu sou lá muié de brincadeira, seu Tião? Ela tá no quartim do fundo, de junto da cozinha. Quando entrei lá, dei fé da bicha bem no meim do quarto. Assunta direitim que o sinhô vai ver ela.
Antes de entrar na casa daquela desesperada senhora, ele nos aconselhou:
– Num entra ninguém comigo, não. Vou assuntar primeiro.
E, pé ante pé, com todo cuidado que a ocasião exigia, pois o rancho já estava bem escuro, ele foi embocando. Olhou, olhou e concluiu a investigação:
– Pelo tamanho, eu acho que é uma jaracuçu. Tá no meim do quarto mesmo, sá Protila. Vou arrumar uma vara pra esbagaçar essa bicha.
– Vixe! Maria Santíssima! Num fala uma desgrama dessa, não, seu Tião. Quase que essa infeliz me pega. Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, me potrege (sic). Escapei por um milagre da minha santinha! Serepente (sic) é um bichim muito arriscoso, seu Tião, coidado (sic).
Nesse ínterim, um dos filhos de sá Protila, o mais pichutitinho, o raspa de tacho, cara de trinchete, vai entrando na casa, matreiramente, quando ela o esgoelou:
– Sai daí, traste ruim. Deixa de saliência, seu exibido. Eta! menino lutrido da desgrama. Se esse troço te morder um tiquim assim, seu malino, cê tá é pebado, cê vai bater diretim no Santa Verônica. Vai, pestiado, vai caçar o que fazer! Deixa de xeretar o que num é de sua conta. Num tá veno que isso é serviço pra home que nem seu Tião? Vai, cai fora daí, seu diacho desgramado e vê se pára com eguagem!
Seu Tião, enquanto isso, procura numa cerca mais próxima, a melhor vara, aquela mais certinha e comprida, para tentar dar fim à peçonhenta.
Volta à casa de sá Protila, pede silêncio absoluto, posiciona-se na porta do quarto e sapeca a vara. Dá umas cinco ou seis varadas, espia de novo, e desconfia:
– Ê, sá Protila, num tá pareceno cobra, não. Tá é paradinha. – Mas, por via das dúvidas, ele dá outras tantas varadas e a danada continua inerte no meio do quarto.
Resolve, por fim, com muito receio, enfiar a vara debaixo do corpo do suposto ofídio e o atira bem no meio do quintal.
Quando a bichinha caiu lá no meio do terreiro, a meninada, que assistia a tudo com muita atenção e curiosidade, dá uma tremenda gargalhada e o matador de cobra, com um risinho meio sem graça, constata, enraivado:
– Sá Protila, sá Protila, num é cobra, não, sá Protila. É um cabo de tomada, e eu aqui bestano qui nem trouxa, só perdeno meu tempo! Home quá, eu tenho mais o que fazer, sá Protila! – E o matador de cobra, eu e meu irmão exalamos no mundo com uma quente e outra fervendo.
NOVAIS NETO. Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória. Salvador: NN, 2009, p. 131.