Isidoro enfrenta Lampião
Zezinho, sentado num banquinho de madeiram em frente a sua casa, olhava distante, pensativo... De repente desata a rir: alguma imagem engraçada flertou com sua mente. Zezinho é assim, uma figura interessante, já vai pra lá dos oitenta anos, mas na essência parece ter bem menos, é alegre, gosta de dançar, contar histórias e fazer gracejos às meninas. Da sua solidão física ele dá conta, sempre procura a família e amigos para conversar, para contar histórias. Nesta noite, sentamos com ele na calçada e ficamos ouvindo ele contar “causos”, mas é preciso ficar atento para ouvi-lo, pois sua voz grossa e embolada, parece não querer sair da boca, enquanto ele com olhar distante, parece estar vivendo o momento que conta.
Essa última história tem a ver com o tempo em Lampião apareceu por aquelas bandas e “visitou” Tapuio. Segundo seu relato, Lampião era um homem malvado, que tomava pra si o que desejava, mexia com as mulheres, batia nos homens que o enfrentasse e, até mesmo, matava. Quando se tinha notícia que o “cramunhão” estava pelos arredores, todo mundo se escondia em suas casas, se trancava ou ia para outro lugar. Mas como Isidoro era um cabra teimoso e também tirado a valente, escondeu a família e ficou por lá, guardando o que era seu, guardando tudo que conquistou com tanta luta durante tantos anos.
-“Isidoro estava sentado no alpendre de casa, quando Lampião e seu bando chegou sortando poeira; Isidoro levantou e olhou pro cabra – foi sua derrota! O marvado num contou cunvesa, botou ele pra dentro de casa e lhe deu uma grande sova, bateu sem pena nele, inda tirou suas roupas, adepois, colocou ele num jegue e saiu pelo lugarejo mostrando o que fez. O pobre do Isidoro ficou todo arrebentado; naquela situação, o homem nem parecia o mesmo o mesmo, jogado no lombo do jegue, nuzinho, pelado como veio ao mundo, fazia dó. Enquanto passeava com ele, os zomens de Lampião continuavam a bater no pobre coitado, até que ele num aguentou e caiu na terra seca. Aí os miseráves pareceram ficar sastifeito e foram simbora. Sorte que num mataram! Saíram gritando e prometendo voltar pra terminar o serviço.”
Foi, então, que os filhos de Isidoro pegaram o pai e o esconderam na caatinga, o velho gemia e chorava de dor, mas eles queriam escondê-lo com medo que Lampião voltasse para matá-lo. Era necessário que o homem se calasse, mas ele continuava gritando, então, os filhos o amordaçaram e o colocaram atrás de uma cerca de mandacaru, enrolado numa coberta. Ainda era dia, quase noite, mas o calor era insuportável. O sofrimento do homem aumentava ainda mais por causa disso. Porém, tudo estava sendo feito para salvar a vida dele. Anoiteceu e amanheceu na caatinga. Os filhos de Isidoro voltaram para buscá-lo. Levaram ele para casa e cuidaram dos seus ferimentos.
Depois desse episódio, o velho Isidoro ficou mais manso. Não gostava que ninguém falasse do assunto, ficava muito bravo quando sabia que estavam cochichando dele. Bom, mas pelo menos ele diminuiu a valentia. Agora falava mais baixo com o outros, estava aprendendo a pedir, em vez de só mandar. Aí a gente vê que pra um valente só outro valente pra lhe topar e quebrar a “a crista”.