A arte de comer casca de banana

A namorada do Beibe fez ele comer uma casca de banana; ou será que foi uma banana com casca e tudo? E ele comeu, apenas para provar o seu amor... Confirmou depois que comeu, com a cara mais lavada deste mundo. Comi, foi um instantinho só.

Eu não comeria, de jeito nenhum. Imagina se isso é prova de amor?

E se ela me fizesse tomar veneno de rato, chumbinho, racumim, ou formicida tatu com guaraná? Morrer só para provar o amor?

E a partir desse ponto Beibe foi eliminado da turma da rua, passava cada minuto disponível com a namorada, Cecília, de cabelos castanhos compridos e pele clara. Passavam abraçadinhos subindo a rua, permaneciam abraçadinhos sentados nos degraus das escadas dos edifícios. Eram vistos de mãos dadas na entrada e saída da missa. O mundo havia acabado para Beibe e Cecília, que só viam um ao outro.

A turma da rua os via passar e acho que todos morríamos de inveja. Isso é que é amor, Beibe era inimaginável sem Cecília do lado. E Cecília se transformaria em freira, caso Beibe desaparecesse da face da terra. Para nos defender, criticávamos os dois. Imagina, comer uma casca de banana!

Passei a imaginar a minha futura amada. Não poderia ser alguém tão mandona e exigente como Cecília, ainda que admitisse que as garotas precisam mesmo de uma prova de amor convincente, a conquista de algo difícil, como o santo graal, uma guerra, uma cruzada, a descoberta de um continente, como a América, uma viagem à lua, qual seria o feito notável que me seria exigido e que eu teria o maior prazer em executar?

Quanto as minhas futuras amadas, teriam que ser recatadas e tímidas, falar pouco... Teriam que ser mais baixas do que eu... Teriam que ter grandes olhos castanhos... (os verdes também seriam aceitáveis). Teriam que ter cabelo bonito e comprido... Teriam que ter quadris maiores que a cintura, barriga macia, seios médios e firmes, penugem dourada nas pernas e braços... E nunca, sob nenhuma hipótese, me obrigar a comer banana com casca, porque isso eu não faria mesmo.

Passei a procurar a menina que via só em meus sonhos em todos os lugares, na escola, no cinema, mas ruas. E apenas a encontrava à noite, agarrado ao meu travesseiro, com o transistor ligado na rádio Tamoio. Ali, tocavam, quase sempre a música dos irmãos Vale, “Se você quer ser minha namorada”. E, me espantei, de perceber como os danados dos irmãos Vale conseguiram descrever com nitidez a namorada que todos queriam ter. Apalpava o travesseiro imaginando os seus seios macios, a sua barriga quente, os seus belos olhos castanhos, ouvia a sua voz rouca e as suas promessas de eterno amor. Depois, a música acabava, e os Cariocas atacavam de “O Pato”, o que acabava com qualquer idéia de romance.

Continuamos a ver o par Beibe e Cecília passando abraçados pela rua, enquanto nos reuníamos, sob as tamarineiras do Grajaú, a turma dos solteiros, a gang dos despeitados e invejosos do amor dos outros, todos unidos pelas piores das intenções, e da busca incessante das emoções fortes. É fato que os adolescentes fazem tudo para pertencer à uma turma, e que, freqüentemente, as namoradas tem o dom de afastá-los, talvez definitivamente, do grupo, o que, por si só, não é sinal de maturidade. Afinal, comer casca de banana não pode ser interpretado como maturidade. Ali moldavam-se os caracteres. Por sorte, ainda não existiam, com fartura, os tóxicos e entorpecentes que existem hoje, senão todos estaríamos enrolados. Limitávamo-nos a fumar cigarros mata-ratos, sem filtro, roubados dos adultos e a maldizer a execrável obediência de Beibe aos caprichos de sua amada. Aos domingos, íamos ao Maracanã, para as disputas futebolescas, em que a bola ainda tinha cor de couro cru - bola branca era usada apenas em jogos noturnos - e, às vezes, matávamos o tempo num cinema da Praça Saens Peña, de preferência, gozando das delícias do ar condicionado do Cine Metro, onde, constava, que a descoberta de uma pulga , que fosse, seria remunerada com generosa quantia em dinheiro pela gerência. Diferentemente dos outros cinemas de bairro que tinham cadeiras de pau e eram conhecidos como pulgueiros, o Cine Metro, da MGM, era uma espécie de embaixada de Hollywood, território norte-americano, cheio de luxo e conforto, tapetes vermelhos onde os pés afundavam, corrimãos dourados, espelhos e lustres de cristal, e parece, que pulga não poderia nunca existir ali, pois era animal extinto nos Estados Unidos. Engolíamos alguma comédia sem graça estrelada pelo Elvis Presley, aquele sim, era o campeão das mulheres, sempre enfrentando as gangs de invejosos que queriam derruba-lo, e voltávamos para casa, para os travesseiros e a rádio Tamoio.

Até que um dia, como um raio que cai do céu, como uma bolada no meio da cara, como uma flechada no coração, ou um cruzado na ponta do queixo, aconteceu, para mim, o amor.

Não tinha olhos castanhos, eram cor de mel. O cabelo era mais curto do que comprido. Era mais alta do que eu, apenas um ou dois dedos. Contava piadas safadas e ria alto, chamando a atenção. Já tinha tomado duas ou três caipirinhas. Chamava-se Maria Isabel, mas era conhecida como Bebel, e me tirou para dançar. Engoli em seco e fui dançar, lembrando do requebrado do Elvis. Depois de algumas caipirinhas, até eu dava uma de Elvis.

Agora era a minha vez de passar abraçado com ela pela rua e despertar a inveja de todos. Eu era mais um que caia, extirpado da turma dos jovens solteiros. Parecia que conhecia Bel há uma eternidade e a vida sem ela era inimaginável. Me levou para casa, os pais estavam viajando, e dali não consegui me despregar nas próximas duas semanas. Não pude e nem queria, pois já estava cansado de abraçar os travesseiros. Passávamos os dias inteiros na cama e de noite comíamos sacos de batata frita.

E foi lá que acabei comendo casca de banana, mas de um jeito disfarçado e não como uma prova de amor. Bebel fez uma vitamina de banana e não tirou a casca, bateu tudo no liquidificador, com um pouco de leite. Me recusei a beber, afinal havia feito um juramento solene, e contei a história do Beibe. Ela riu, e disse:

- Bobinho, é na casca que estão as vitaminas!

Bebi, e o gosto até que não era ruim, e me alegrei com o fato de ter encontrado uma menina tão sabida.

Depois, com o tempo, descobri que corria o boato, entre as mulheres do bairro, de que casca de banana aumentava a potência masculina, segundo uma reportagem da revista Grande Hotel.

Enfim, comi casca de banana, não do jeito humilhante do Beibe, mas inteiramente convencido do poder vitaminoso da mesma. Na verdade, passei muitos anos comendo casca de banana, e sem reclamar, achando que estava sendo enormemente beneficiado pelas mais modernas pesquisas científicas. Mas, afinal, o que fazia muito bem era ela, Bebel, em quem eu vivia agarrado, vinte e quatro horas por dia. Subia a rua, descia a rua , ia a igreja, ia ao cinema, tudo abraçado com ela.

Uma tarde, no caminho do cinema Metro, encontramos o Francisco, um dos garotos da turma, que permanecia sozinho. Andava compenetrado e calado, de olhos fixos no chão. Fingiu que não me viu, devia estar morrendo de inveja, mas eu o chamei:

- E aí, Francisco, tudo bem?

Ele acenou com a cabeça; carregava uma caixa de fósforos na mão.

Pensei que ele ia tocar fogo no cine Metro, como aquele gaiato que queimou o circo em Niterói, e perguntei.

- Para quê essa caixa de fósforos?

Pela primeira vez ele olhou diretamente nos meus olhos.

- Estou levando umas pulgas para dentro do cinema.

Me lembrei da história sobre a inexistência das pulgas no cinema e do dinheiro. Era só levar a caixa de fósforos na gerência e reclamar a recompensa.

- Não sei não, Francisco, mas acho que não vai dar certo, disse Bebel.

- São pulgas premiadas, que peguei no meu cachorro, disse Francisco.

- Francisco, não vai funcionar, porque as pulgas do Metro, todas, têm olho azul...

Continuamos andando, em silêncio, até que Francisco disse:

- Bem, vou soltar as pulgas assim mesmo.

Achei que Francisco precisava comer umas cascas de banana para ficar mais esperto, porque naquele dia muitos acharam pulgas no cinema Metro. Pena que não tinham olhos azuis...