Um sertão chamado Tapuio
Um sertão chamado Tapuio
Os sertanejos costumam se retirar de sua terra para buscar uma vida melhor em outro lugar. Geralmente vão para o sul, porque parece que lá todos os sonhos podem ser realizados. Mas não foi isso que aconteceu com o pai de Jão, seu Isidoro, meu bisavô. Ele resolveu sair de sua terra, mas continuou no sertão, foi para outro pedaço, do lado de lá; se embrenhou por terras distantes, buscando uma terra sem dono para se apossar. E assim foi feito.
Meu bisavô Isidoro veio de Coração de Maria, era um retirante, procurando um lugar melhor para viver. Parou em Santa Luz e de lá caminhou até uma extinta aldeia de índios, os tapuias, que provavelmente eram nômades e foram buscar outro lugar para viver. Apossando-se daquele pedaço de terra, “seu” Isidoro fez um barraco para viver e lá trabalhou duro. Cavou sozinho um tanque, enquanto esperava pacientemente as águas das chuvas. Sabia o que fazer, para tudo há uma ciência e um jeito e isso ele sabia. Aquele pedaço do sertão lhe abraçou e ele fez dele sua casa, sua vida. Fez plantação de feijão e viu seu suor recompensado com a colheita. E o sertão é duro, meu siô!! Mas o velho Isidoro resistiu bravamente, não negava o sangue sertanejo, trabalhava de sol a sol naquela imensidão de terra seca e quente!
Mas o Isidoro não podia viver só, aquela dureza precisava de doçura, então, levou para aquele pedaço de terra distante e deserta uma mulher, aquela com quem casou e teve treze filhos. E ali os criou. E por ali eles foram crescendo, aprendendo a amar aquele lugar seco, duro, que por vezes parecia um inferno, mas que se tornava um paraíso quando a chuva chegava. A plantação verdejava, os animais engordavam, e a vida parecia festa, pois a água era puro diamante para aquela gente. Mesmo com todas as dificuldades pelas quais passaram, todos os filhos de Isidoro ficaram por ali.
Um, deles, o Jão, meu querido avô, tinha a força e a energia do seu pai, amava aquels terra e era ali que queria continuar vivendo, e por isso comprou um pedaço de terra nas proximidades. Construiu sua casa, formou família. Nesta terra, também construiu uma igrejinha – era um homem muito católico. Outras pessoas da família também compraram terras vizinhas, construíram casas e formaram família. E assim surgiu o povoado que recebeu o nome de Tapuio. Vô Jão tinha um “budega”, onde vendia de tudo. Ele era um homem generoso e bastante sociável. Gostava de ver todos felizes, até construiu um campinho de futebol; também se preocupava com a educação dos filhos e, pensando neles e nas outras crianças do lugar foi buscar na cidade um professor para dar aulas a eles. Professor Francisco era uma figura muito altiva e importante para todos e na casa de Seu Jão, onde funcionava a escola, ele ensinava as crianças a ler e escrever. E foi assim que essa família e todas as outras foram vivendo naquele lugar, sob o forte sol do sertão, sob abençoadas chuvas periódicas, sob a abençoada proteção de São José, o padroeiro do povoado. Essa e outras histórias foram contadas a mim pelo meu pai (e enriquecida pelo meu tio Zezinho), uma figura tipicamente sertaneja, análoga ao sertão, olhando para ele posso ver o sertão dentro do seu olhar doce, humilde e cordial.
Tapuio ainda resiste, mas grande parte de seus filhos (alguns netos e bisnetos de Isidoro e Jão), se retiram para o sul, principalmente para São Paulo, porque, como boa parte dos sertanejos, vê esta metrópole como solução para a vida de miséria e devastação. Mas a história de Isidoro e de Jão são histórias de resistência e crença, histórias de amor à terra. Sim, porque o sertão também é amado por sua gente. Sertão também é alegria. Sertão também produz. Sertão também progride. Sertão precisa de homens com a coragem de Isidoro e Jão para dar certo. E deu. E dá.