*GOOGLE IMAGEM

ZÉ NINGUÉM


Cada coisa que acontece na vida da gente... O causo hoje é triste. Até meu gloss não resistiu: morreu, derreteu, escorreu, escafedeu-se. Este não é daqueles causos que não quero, nem posso contar... Não sei se posso, mas quero e vou contar!
 
 
Zé Prego, 40 e poucos anos, era empresário bem sucedido até o advento dos planos econômicos que assolaram a República do Salve-se Quem Puder. Zé não pôde...  Não houve salvação. 
De plano em plano, faliu irremediavelmente. Foi punido com toda a sorte de registros, que abalam só as pessoas sérias: protestos, SPC, CCF, SERASA, BACEN, *PQP, CADIN, enfim... Não esqueceram nada, Zé é povo.
 
Deprimido e humilhado, mas não vencido, Zé juntou as últimas moedas à esperança, ralou e formou-se em técnico de radiologia. Não era, mas tornou-se o sonho... Transitou alegremente de empresário a técnico, agradecido e sem vacilar. 
De lá pra cá, trabalhava orgulhosa e incansavelmente, sem fazer as pausas obrigatórias, ignorando a periculosidade, aceitava escalas desumanas e insanas sem reclamar da radioatividade, afinal na idade dele já era uma grande sorte trabalhar. Então, fez das tripas coração. E mais: tinha orgulho da Instituição desprovida de coração... De tripas não!
 
Ninguém é de ferro e Zé também não era. Foi acometido de uma doença do trabalho e afastou-se para tratamento de saúde.
Embasbacado, Zé teve de ir a Justiça para garantir seus direitos, pois estranhamente a Instituição não aceitou o laudo de um de seus próprios médicos. 
Estranho revés... Irresponsabilidade? Não sei, mas é realidade.
Zé ainda não entendeu, tem boa fé, fé demais...
 
Bem... Feliz, como só pobre fica com o 13° salário, dirigiu-se ao banco. E cadê o seu dinheiro?
Nada, nada, nada: conta zerada.
Ora, ora... O banco, que não é cego e nem lerdo como a Justiça, rapidamente sentenciou: caloteiro! O dinheiro foi confiscado para saldar dívidas do passado.  
E ele pergunta incrédulo: pode? Não pode. Verbas salariais não podem ser confiscadas. Todos sabem, inclusive os bancos, mas seus ávidos sistemas, hábeis em reconhecer dívidas, não tinham a mesma habilidade para reconhecer como salário o crédito minguado do pobre Zé.
E agora? Corre pra lá, corre pra cá, mais uma vez a saída é o caminho das pedras, que tarda e falha.

Coitada da juíza, talvez distraída, aborrecida ou traída, despacha uma sentença judicial descabida. E o Zé, que não é Mané, é obrigado a entrar com um mandado qualquer na Justiça da capital.
 Ora, ora... Seria abuso, desuso, insanidade ou até desumanidade, pedir ou esperar que o lerdíssimo meritíssimo se dignasse a assinar qualquer coisa na véspera do recesso anual. Nem por caridade, que maldade, não tem coração... Mas o mínimo que esperamos é que tripas também não!

Desumano...
Humano foi o Zé, que nem reclamou do esforço sobre-humano de virar o ano sem um só vintém, sem o apoio de ninguém.  O negócio é esperar... 
Averiguado e corrigido o engano, o minguado demorou tanto a ser creditado, que as dívidas foram aumentando rápida e furiosamente. E Zé, outra vez entra pelo cano, paciente e solenemente. Fazer o quê? Paciência, a coitada da Justiça é cega, tardia e falha. 
 
Bem, agora a causa é a outra, mas o Zé é o mesmo... Peritos, perícias, exigências, intransigências e Zé volta a trabalhar. Leia-se: tenta voltar.
Depois de já ter recebido efusivos abraços, afagos e até a escala, feliz da vida por retornar ao trabalho de onde planeja nunca mais se afastar, Zé chega à Instituição para o grande dia e... Bomba! Outra... Mais uma!
Foi detido, barrado, escoltado, humilhado e sumariamente demitido. Ninguém nem sequer lembrou que tinha assegurada a estabilidade até o juízo final, sabe-se lá quando...
 
E agora? Ora, ora... Tudo outra vez! Até o momento a Justiça não despachou o mandado impetrado. Zé é ninguém, não está nem empregado, nem desempregado. Pior, sem receber um vintém. Pode? Pode! Pode e está ocorrendo aqui e agora. Ora, ora...
 
Coitado do Zé que é povo, tudo de novo e não pode nem recorrer a São Seguro Desemprego, aquele famigerado que faz a alegria dos desgraçados. Viver dá fome, comer custa caro e dinheiro dá em boas cuecas, não cai do céu...
E se Zé for pego amanhã roubando um pão na padaria ou qualquer coisa na mercearia? Nada justificaria, a cega enxergaria, a surda acordaria...
Até aí tudo bem... Zé Prego já sabe que nasceu pra levar na cabeça. O que ele não sabia é que, com as bênçãos da Justiça, logo seria um Zé Ninguém...
 
Cada uma... Francamente, que país de **M!
 
 
N.A.
*PQP: é exatamente o que vocês estão pensando.
**M: também!
 
Tânia Alvariz
Enviado por Tânia Alvariz em 29/03/2010
Reeditado em 29/03/2010
Código do texto: T2164881
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.