O INSTINTO ANIMAL E SUA GRATIDÃO SELVAGEM

O INSTINTO ANIMAL E SUA GRATIDÃO SELVAGEM

As imensas florestas no Brasil colonial, atraíram inúmeros aventureiros que se embrenharam pelas matas nos sertões, sonhando com o enriquecimento. Entre uma e outra capitania havia extensos espaços de terras devolutas, espaços estes ocupados por sesmeiros. E, esporadicamente, alguns mateiros clandestinos, analfabetos de corpo e alma, sem lenço e sem documento, arranchados aqui e ali, sem nenhuma cobertura jurídica, vivendo tão somente do que a natureza lhes oferecia.

Cesário um destes. Amasiado com a Bina uma escrava fugitiva com o dobro da sua idade; viviam numa choça à margem de um rio, no meio da mata. Cultivavam um pouco de feijão de corda milho e mandioca, complementavam a alimentação com a caça, pesca e frutas silvestres.

Naquele ermo sem eira nem beira, nenhuma vivalma si quer,alem dos dois, cercados pelos rugidos dos animais selvagens.

Duas vezes por ano descia pelo rio a chalana de Pinta Rôcha, um cafuzo criado por um traficante de escravo, do qual herdara a embarcação. Comercializava com os índios e os barranqueiros os apetrexos de caça e pesca, em troca de peles, animais, algumas pedras preciosas, e produtos artesanais fabricados pelos silvícolas.

Este era o único contato, que o casal Cesário e Bina, mantinha com o mundo exterior. Sem nenhuma noção do tempo, já havia perdido a contagem dos meses e anos. Vez e outra os vendavais provocados pelos temporais que abatia sobre a floresta destruia seu casebre, que logo após, era reconstruído. Viviam metidos na mata ocupando-se com a caça e a pesca, colhendo frutas e ervas. Uma tarde após um vendaval, ao voltar da floresta, Cesário deparou com um filhotinho de onça pintada, preso pela patinha traseira entre dois trocos de arvore, para socorrê-lo teve que amputar sua perninha. Conduziu para sua choça, cuidou dele com banhos de ervas, e curou seu ferimento. O filhote era uma fêmea. Passou - se o tempo ela se tornou numa grande amiga do casal. Apesar de faltar metade da perninha era saudável e brincalhona. Boa caçadora, trazia diariamente para o casebre uma diversidade de pequenos e médios animais, coelho, paca, cotia e outros. Contente e felizes alimentados pela onça,com carne fresca sempre, os dois amavam a fera. Ela parecia entender tudo que os amigos conversavam.

No decorrer do tempo ela começou andar um pouco mais longe, voltava altas horas da noite, às vezes dormia na mata.

Certo dia, Bina comentou com o companheiro:- sabe de uma coisa, acho que nossa pintada arranjou um namorado! Anda tão estranha não demora vai nos abandonar!

Não tardou notaram sua barriga crescendo e seus peitinhos também. – Eu não lhe disse que nossa baixinha está diferente! Ela está complemente apaixonada! Só espero que não venha nos perturbar com seus filhotes! Ouvindo isto ela se levantou de onde estava deitou a cabeça no colo da Bina acariciou lambendo sua mão, voltou para Cesário o acariciou da mesma forma, saiu fora do casebre olhou por todo seu derredor, entrou mata dentro e desapareceu. Boquiaberto o casal comentou – será possivel nossa baixinha se ofendeu, mas não; ela é só um animal! =Agiu como um ser humano.

Procuraram mata afora várias semanas seguidas, por todos os locais onde ela fazia seu roteiro nas caçadas, nunca mais a viram.

Muitos anos se passaram, envelhecidos, de repente a bina bateu a cassulêta. Cesário ficou só, sadio como um touro apesar de velho, vivia sem se queixar. Queixar pra quem? Se nem sua pintada tinha mais!

De uma hora para outra, um temporal violento, abateu sobre a floresta. Provocou um grande estrago. Arrastando tudo, dos seus pertences, sobrou apenas seu facão amarrado ao cinturão de coro de tamanduá, preso a sua cintura. Após muito relutar contra a corredeira da enxurrada Cesário conseguiu se agarrar a uma latada de cipó, alojando no seu interior.

Febril entrou em coma profunda. A chuva continuou por vários dias embora com pouca intensidade. Resfriado e enfraquecido sem alimento, sonhava com sua choça a pintada e Bina.

Dias após ele recobra o sentido. Imaginou-se ter morrido e estar no paraíso. Uma serie de animaizinhos brincavam desfilando sobre pedras; com suas pintas coloridas ofuscando variadas cores aos reflexos do sol que penetrava no interior de uma caverna. Olhando ao seu redor viu várias onças belas e saudáveis algumas mocinhas outras adultas. Aos seus pés, uma já bem velhinha de pintas descoradas pela idade. Assustado tentou-se reerguer a pintada anciã o aparou, ele conseguiu se equilibrar, amparado por ela recostou na parede de pedras. Ao vê-la locomovendo com apenas três patas a reconheceu. Sua pintada, agora uma ansiã idosa, havia o arrastado para a caverna. Os filhotinhos sugavam o leite das mães e regurgitava em sua boca em sua boca, salvando-o da morte! "Um belo gesto de gratidão selvagem praticado pelo instinto animal, dando um grande exemplo a nós humanos!"

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 26/03/2010
Reeditado em 27/03/2010
Código do texto: T2159889
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