O CÃO DA ITAOCA E OUTRA LENDA URBANA

No interior do País, em todos os territórios e rincões nacionais, de norte a sul, correm histórias as mais estapafúrdias e fantasiosas. Em geral, os 'causos' assumem um caráter maravilhoso, do fantástico, fixando-se numa personagem, heroína ou vilã, de mera invencionice.

São os casos de aparições de almas, dragões, lobisomens, mulas-sem-cabeça, entidades míticas, pessoas possuídas do demônio, em aparentes manifestações mediúnicas, treme-tremes e voos rasantes de objetos, nos lares, enfim, os mais dos diabos que os carreguem. Lendas rurais, se assim podemos classificá-las, cujas características, segundo o mestre folclorista Luís da Câmara Cascudo, são quatro, a saber – antiguidade, persistência, anonimato e oralidade.

Também, nas cidades, boatos similares fartamente são difundidos, com uma incrível verossimilhança às coisas, manifestações, fatos e lorotas que ocorrem nos meios campesinos. Pois esses fenômenos do imaginário popular, com meridiana lógica, migram para os maiores centros populacionais, nascendo, daí, por sua vez, as “lendas urbanas”.

Vindo lá das escarpas de uma serra, ainda bicho miúdo, quando aportei na Capital cearense, logo soube da boataria que rolava sobre o “cão da Itaoca”. Esta abusão circulava à solta na cidade inteira, até ganhava dimensão de veracidade fora dos marcos do Estado.

Dizia-se que o tal “cão” – abrandamento de demônio, belzebu ou diabo – pintava e bordava em certos lares daquele conhecido e populoso bairro, a Itaoca. Onde o coisa-ruim se fazia presente, o fogão, a mesa, sofás, pratos, panelas e outros utensílios da casa dançavam que dançavam, às vezes em voo livre, pelos vãos da residência eleita pelo capiroto. Foi uma lenda urbana que levou anos e anos para que os fortalezenses se aquietassem e parassem com as especulações fabulosas. E quem era do bairro, mesmo depois muitos natais, pagava caro pela má fama daquela ambiência condenada que mais e mais se tornava pejorativa.

“– Você mora onde?”

“– Eu?!...” – faz, timidamente, a criatura inquirida. E arremata, com explícito desgosto: “– Infelizmente, na Itaoca.”

“– Viche!... Lá onde o cão apareceu?” – completa o outro, até meio perverso, e sem demonstrar um pingo de ética nem educação.

Outro acontecido de lenda urbana que veleja no oceano dos meios artísticos, em Fortaleza, é a suposta aparição de uma bailarina, no Teatro José de Alencar, uma das mais belas e distintas casas de teatro, no Brasil. Recentemente a história ganhou livro, na pena de uma escriba da terra de Iracema. Ainda não li, nem lembro o nome da escritora, mas o escrito me interessa, sem dúvida.

Os mais antigos do Teatro – até alguns mais moços, também, como porteiros, atores e diretores – afirmam já terem visto um cisne, em formato de bailarina, a sair das paredes e cortinados do imenso palco no qual se desenrolam as encenações, dando piruetas e passos magistrais, ao ritmo da clássica dança, o balé.

Artistas outros, intelectuais, coreógrafos, jornalistas, gente da crítica teatral e amigos da casa de espetáculos alencarina, ainda com maior convicção na verdade da existência da aludida misteriosa dançante, que só aparece e logo se esvai, lá por volta da meia-noite, todos eles comentam que a moça da visagem era uma jovem simples, do interior, que, na vida real, existiu mesmo e desejava ardentemente tornar-se uma atriz.

Teria ela vindo para a cidade grande com este intento: virar uma bailarina, mas que fosse bailarina muito famosa. Alguns funcionários antigos confirmam que a ‘mina’, a bailarina do encantamento, nos primórdios do teatro, ainda chegou a pisar naquela privilegiada ribalta, sem, no entanto, concluir o seu objetivo.

Qualquer dia, se me der na telha, conto outras que envolvam essas petas de lendas urbanas. Ou, então, se, com toda a verdade, a matéria lhes interessa, matéria de coisas assim, inventadas pela cabeça do povo, pois que vocês peguem do papel e botam aí o preto no branco. Estou doido de curioso para ler e/ou ouvir mais lendas urbanas deste Brasil afora, tão largado de grande e inventivo.

Fort., 25/03/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 25/03/2010
Reeditado em 25/03/2010
Código do texto: T2158352
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