O Cofre ( Celismando Sodré Farias-Mandinho)
O Cofre
( Celismando Sodré Farias- Mandinho)
Ele dormia em um quarto onde ficava o velho cofre do seu pai e estava há mais de um mês bebendo todo dia , alimentação quase nenhuma, a fraqueza fazia com que as pernas e as mãos amanhecessem tremendo toda vez que acordava; imagine, vários dias se alimentando do limão que espremia na pinga, da banda de maracujá, caju ou de um punhado de sal, que colocava nas costas da mão esquerda para lamber depois de engolir mais uma, do umbu verde com sal que dava para tomar não sei quantas. Café da manhã e leite ! nem pensar... Suco ! só descia água... feijão, arroz e macarrão ! era indigesto... quando muito comia um torresmo, um pedacinho de carne, um fiapo de asa de galinha como tira-gosto depois de tomar mais uma.
Levando essa vida de algumas poucas alegrias e de grandes tormentos ele dormia toda noite “chapado”. No seu quarto, o velho cofre, imóvel, estático no canto do quarto, as vezes, parecia que estava lhe encarando de forma ameaçadora a lhe cobrar alguma reação diante daquela situação, com um olhar de repressão. Ele era obrigado a fechar os olhos diante daquela ameaça que parecia que vinha do velho cofre.
Naquela noite dormiu cedo e naquele estado, como estava sendo freqüente nos últimos dias. Acordou lá pela meia-noite, sentou-se na cama ainda meio confuso e passou as mãos no rosto. Contra a sua vontade veio a lembrança do velho cofre e ficou com medo de olhar em direção ao canto da sala. Mas... sabia que ele estava lá, esperando o momento com aquela olhar de pai severo, a espera do filho para castiga-lo. Uma curiosidade incontrolável lhe dominou e ele espiou por entre os dedos das mãos que ainda tapava o rosto.
Viu... jura até hoje por Nossa Senhora que viu o que estou relatando agora, o suor frio começou a escorrer por todo o corpo e olhou novamente, lá estava o velho cofre, tinha pernas, braços e um único olhão na parte de cima, e o que era pior, caminhava em sua direção com um chicote. Seu cabelo ficou mais arrepiado do que o de uma vassoura em pé, nesse momento deu um horrendo grito, que os vizinhos escutaram e comentaram no outro dia, correu desesperado e deu um Kung-Fu na porta do quarto e caiu junto com ela na sala e saiu correndo em direção a rua.
Não bebeu mais neste dia, vagando pela madrugada , pensando no acontecido até o amanhecer do dia. Já estava um pouco melhor quando resolveu voltar para casa, chegou ainda meio cismado, lavou o rosto, bebeu água para aliviar a ressaca e viu na sala a porta caída, ou melhor, derrubada, encarou a porta do quarto e entrou ainda um pouco temeroso, levou alguns segundos para olhar em direção ao canto do quarto, quando a coragem voltou ele viu, lá estava o velho cofre: sem pernas, sem braços, sem o imenso olhão, já não tinha aquele olhar ameaçador, um alívio tomou conta do seu semblante O jeito, foi voltar naquele único bar que já estava aberto para tomar a primeira do dia.