CARA OU COROA
Cara ou Coroa
Ele era mendigo. Pode-se dizer que um mendigo dos bons. Sabia tratar bem o “cliente”, sem, contudo, bajular. Era carinhoso com as crianças, respeitador das mulheres , e brincalhão com os homens. Trata todos com carinho, respeito e, acredite, com profissionalismo. Dir-se-ia que ele tinha estilo, cara-de-pau e dom para a coisa. Além de todos esses dons, possuía carisma e, pasmem, honestidade. Estava sempre pronto para ajudar, oferecia sempre seus préstimos e “era bem mandado”. Mendigar mesmo era só para as horas de folga.
Todavia, o que mais me fascinou “na figura” foi sua sagacidade, sua esperteza com as palavras e principalmente com os números e a malandragem geral, item, aliás, em grande quantidade no estoque do brasileiro.
Eu havia ido passar uns dias em minha terra.
Ao chegar na área central, parei para tomar uma cerveja e me encontrei com alguns amigos.
Livoca, meu companheiro em pescarias, ao avistar a “peça” me disse: - Ta vendo aquele mendigo? Ele é um mistério, uma raridade, uma figura folclórica. Todos o chamam e lhe dão duas opções: uma moeda de pouco valor e uma outra de valor maior. E ele, de forma inexplicável, sempre escolhe a de menor valor, não importa a diferença entre eles.
Depois de narrar esses detalhes, ele gritou: - Moisés!, e o tal logo apareceu
Livoca, então, colocou uma moeda de dez centavos numa das mãos e outra de cinqüenta centavos na outra e perguntou a ele: - qual delas você quer?, ao que ele respondeu: - quero a de dez centavos. Perguntei-lhe porque ele preferia a de menor valor e ele me respondeu: - porque preciso de pouco. Pediu licença e se afastou.
Fiquei intrigado com a resposta. Ela tinha sentido, a gente precisa mesmo de pouco para viver, mas... aquela escolha era ilógica – ainda mais se tratando de um mendigo, de uma alma tão carente.
Convivi com Moisés umas duas semanas e percebi que a todo instante a cena se repetia. Eu mesmo fiz o teste e o resultado foi o mesmo.
O homem era, de fato, um mistério, uma pessoa diferente.
Além de tudo, era muito sábio nas filosofias, conhecedor da Bíblia, fazia peripécias com baralho, com palitos, fazia charadas, contava causos, enfim, tinha sempre alguma coisa nova para mostrar, dizer ou fazer.
No dia do meu regresso, depois das despedidas, deparei com Moisés na rodoviária. Era como se ele quisesse se despedir de mim.
Chamei-o em particular, mostrei-lhe uma nota de dez reais e disse: - sei que você a quer. Não vou lhe dar outra opção. Será sua se me disser porque você sempre escolhe o menor valor.
Ele me olhou meio desconfiado, olhou para os lados e indagou: - você promete guardar segredo, jura que não vai contar a ninguém?
Disse que sim, que ele podia acreditar em mim.
Aí ele revelou: - tudo começou com uma brincadeira: eu pedia um centavo e eles me ofereciam cinco ou dez centavos. Hoje não preciso mais pedir, todos me oferecem, inclusive você, não é verdade? Obrigado!
Boa viagem!