O caso da aranha marrom
O caso da aranha marrom
Maju Guerra
O casal resolveu passar três semanas de férias, na casa de uns parentes em outro estado. Logicamente, levariam com eles a filha de dois meses. A moça estava um tanto preocupada, não sabia bem o jeito de contar para a mãe sobre o assunto já decidido. A mãe, muito espiritualizada e cheia de intuições, jamais gostara de uma das sobrinhas que morava por lá. Por tal razão, sempre lhe pediu para manter distância daquele lugar. Os pressentimentos maternos normalmente se mostravam corretos, motivo maior da sua apreensão. Desde pequena, ouvia as advertências da mãe. Deixar de ouvi-las, lhe causou uma série de problemas. A mãe tinha um sexto sentido impressionante, pessoas vinham procurá-la para saber das suas predições. A grande questão, no entanto, era o marido incrédulo a considerar tudo uma bobagem, não havia como escapar.
Dois dias antes da viagem, resolveu conversar com a mãe, era a casa do sem jeito. A mãe ficou bastante preocupada, principalmente com a neta. Como não havia solução a dar, aconselhou a filha a se precaver, a ficar bem atenta aos acontecimentos, a tomar determinados cuidados. Veria, também, como agir para defender a família.
No dia seguinte, bem cedo, a mulher foi fazer compras. Já tinha conhecimento de quais providências tomar. Comprou um pijama cor-de-rosa para a neta, além de uma pulseira com uma figa pendurada. Ao chegar em casa, fez suas orações e um círculo de proteção em volta da pulseira. O pijaminha ela ritualizou conforme sua crença, pediu com muita fé que a neta ficasse absolutamente resguardada de todo o tipo de mal. Terminadas as preces, agradeceu as bênçãos. Telefonou para a filha, perguntou se poderia visitá-la à tarde, antes do genro chegar do trabalho. Gostava muito dele, a única divergência entre ambos girava em torno da fé. Não seria nada interessante, portanto, ele tomar ciências das coisas, fatalmente só iria atrapalhar com sua descrença. Anteriormente, já haviam discutido por causa do assunto. O recomendável era não se arriscar de forma alguma, a neta era sua paixão.
Lá chegando, foi logo paparicar a netinha, ó coisinha linda. Pegou-a no colo, deu-lhe um monte de beijinhos, jurou que a menina tinha sorrido pra ela. A filha deu uma boa risada, coisas de avó. Colocou a neném no carrinho e começaram a conversa. Deu para a filha o pijama e a pulseira com a figa. Pediu-lhe que, após colocá-la no braço da criança, não a retirasse sob qualquer circunstância, até a volta pra casa. Era muitíssimo importante que seguisse à risca o aconselhado. Em relação ao pijama, a neném deveria dormir com ele durante todo o tempo de permanência na outra cidade, frisou ser aspecto de fundamental relevância. Poderia lavá-lo durante o dia, para utilizá-lo todas as noites. A moça prometeu que faria exatamente o que a mãe lhe solicitara. A mãe, por conhecer bem a filha, se aquietou, ela jamais deixou de cumprir o prometido. A filha, por conhecer bem a mãe, não a desobedeceria por nada nesse mundo. O pijama foi imediatamente colocado na mala, junto com as outras roupas da menina.
Feito isso, as duas prosseguiram conversando, finalmente o genro apareceu. Mostraram a ele o presente da avó, ele mesmo colocou a pulseira na filha, achou linda demais. Comentou que a filha era sortuda por ter uma avó coruja por perto, ele nem percebeu o quanto estava certo. Depois de mais um tempinho, a mulher se despediu. Antes de sair, marcou a hora para buscá-los e levá-los ao aeroporto.
No dia seguinte, na hora combinada, foram para o aeroporto. Ela se despediu com beijos e preces, pressentiu que todos estavam seguros, sentiu-se em paz. Disse para não se esquecerem de lhe telefonar dando notícias, seria melhor dessa maneira. Caso eles viajassem para outro lugar, certamente não pediria telefonemas. Gostava de evitar ser a sogra chata e intrometida. Sogra, por si só, já é uma palavra de cunho pejorativo, vamos e venhamos.
A moça entrava em contato dia sim, dia não, tudo na mais perfeita ordem. Comentavam sobre coisas já previstas, mas que não chegavam a incomodar. A prima sempre invejara sua filha, era fato, fazer o quê? Tem gente que inveja o outro, só porque o outro existe, depois se lamenta quando nada dá certo. Gente é assunto complicado e por vezes difícil de entender, não valia a pena perder tempo querendo descobrir o que não faz sentido.
Uma noite, a mulher lia um livro na sala. O telefonou tocou e seu coração apertou de repente. Foi atender receosa, não deu outra, era a filha falando com voz ofegante. Mãe, ela dizia, você não imagina o que aconteceu. Coloquei a neném para dormir e fui ao banheiro. Do nada, comecei a ouvir você sussurrando para eu ir imediatamente ao quarto, precisava ver algo com urgência. Sai correndo. Ao entrar, constatei que, no chão, perto do berço, havia uma aranha marrom. Aranha marrom, mãe, aquela bastante perigosa. Fiquei gelada, chamei o pessoal, por fim mataram o bicho. Todos comentavam, bastante admirados, o aparecimento de um animal peçonhento dentro da casa. Comentavam, também, que todo cuidado agora era pouco. Se aconteceu uma vez, poderia ocorrer de novo... Que sorte, mãe, que sorte. Obrigada por tudo, com certeza você e o pijama salvaram sua neta. Todos os cuidados serão redobrados, ainda bem que faltam apenas três dias para voltarmos. Até logo, fique calma, depois nos falamos mais.
A mulher sentou-se no sofá meio zonza, agradeceu e agradeceu a proteção dada à sua neta. Não acreditava em coincidências, já vivera e presenciara fatos que só aumentavam sua crença. Das duas, uma. Ou acreditava ou era doida. Como não se via doida, acreditava mesmo, a fase da descrença desaparecera há tempos, graças a Deus. Comentaria o ocorrido com as pouquíssimas pessoas de sempre, os amigos de fé, a sua tribo, como dizia. Sem dúvida alguma, cada um tem a sua.
Eles viajaram de volta na data prevista. Ela foi buscá-los no aeroporto. Foi um alívio quando os viu, sorridentes e bem-dispostos. A filha, ao encontrá-la, colocou a neta no seu colo e disse: Mãe, você nem vai acreditar no que aconteceu. Houve um fato que não lhe contei. Pois é, assim que entramos no avião, a pulseira arrebentou e a figa se perdeu...
A mulher riu, beijou a neta, e agradeceu mais uma vez. Isso, porém, é outra história...
Maria Julia Guerra.
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