Sentimento do Jegue
Durante os quase 30 anos que passei construindo por este Brasil afora, em quase todos os estados da federação, conheci os mais variados tipos de pessoas, mas, neste universo de tanta gente, quem mais marcou a sua passagem pela nossa firma e de quem eu guardo nítidas recordações, foi um servente de pedreiro chamado Bento Salvador.
Bento era inconfundível, ele era diferente dos demais em tudo por tudo, até na cor . O rapaz era preto, porem a sua cor de pele não era este preto amarronzado como a maioria dos negros do Brasil, Bento era preto, num tom azulado, como uma jabuticaba. - Para lhe diferenciar ainda mais dos demais negros, a sua palma da mão como também a “planta” dos pés também eram pretas.
Bento era um tipo nômade, solteiro, livre e independente. - Nas suas constantes andanças pelo país e até pelo exterior (ele trabalhou em vários paises sul-americano) não conduzia bagagem, só levava consigo apenas a roupa do couro. Quando chegava numa obra para pedir um emprego no bolso da camisa sempre levava uma escova de dentes e sua carteira profissional, e era só, ali estava toda a sua bagagem .
Quando acontecia de arranjar um trabalho, a sua primeira providencia ao entrar no alojamento da obra, era conseguir um saco de cimento vazio para guardar a roupa que estava vestido. Fazia uma ombreira com um sarrafo de tábua e um pedaço de arame, ali colocava a sua roupa cobrindo-a com mo saco de cimento, dependurando-a no teto do barraco. A partir daquele instante a roupa oficial que Bento passaria a usar, seria um calção de banho tipo “sunga”, o qual só tiraria no final da obra e/ou quando lhe desse uma “veneta” de cair novamente na estrada.
O que Bento tinha de trabalhador, era o dobro de moleque e “prezepeiro”, adorava aprontar com os outros. - Botar apelido em tudo que era de “peão” e contar piadas era o seu forte. - E é sobre uma das suas inúmeras “prezepadas” que irei falar hoje.
Certa vez retornava da cidade de Russas - CE., onde estávamos construindo uma obra de terraplenagem e pavimentação da BR-116 CE, no trecho Russas x Boqueirão dos Cezários. - Nossa viagem estava sendo feita numa camioneta através da BR-101. - Ao passarmos pela cidade de Aracati – CE., resolvemos pararmos para almoçar.
O restaurante ficava as margem da BR na entrada da cidade. - Como naquele dia estava fazendo muito calor, resolvemos almoçar na varanda o restaurante. - Era dia de feira na cidade de Aracati, a todo instante passavam tropas de animais carregando as mais variadas mercadorias em direção a feira central que estava sendo realizada no centro da cidade.
Enquanto almoçavamos, Bento ficou na calçada do restaurante conversando com outros operários que nos acompanhava na viagem, quando de repente, se aproxima uma tropa de jumentos conduzindo panelas de barro acondicionadas em grandes casuais de cipó. - Bento vendo os animais se aproximando, fala qualquer coisa para os companheiros se dirigindo para o meio da rua. - De onde eu estava observei toda sua movimentação, então pensei: - Bento vai aprontar mais uma ! - Quando a tropa de jumentos já estava a alguns metros dele, Bento abre os braços e grita em direção ao dono dos animais:
- Meu compadre, eu posso dizer uma coisa no ouvido desse jumento preto ?
O matuto ficou tão surpreso com a atitude do Bento, que, ficou parado no meio da rua montado em outro jumento; sem saber o que responder, então. . .
- Como é mestre, posso dizer uma coisa no ouvido do seu jumento ?
- Pode né ! - Respondeu o matuto meio sem jeito
Bento se aproxima do jumento, pega na sua orelha esquerda e passou a fazer gestos como se estivesse cochichando ao seu ouvido. - Sem que o matuto percebesse Bento pega a “piola” do seu cigarro e coloca dentro da orelha do animal se afastando em seguida.
De repente o jumento começou a pular e dar coices, as panelas que estavam no caçuá, voavam para tudo que era lado, os caçuais foram jogados para o alto, o jumento parecia que estava doido, zurrando e dando coices disparou rua afora arrastando o que sobrara da cangalha. - Espalhados pela rua só restava os cacos das panelas de barro.
O matuto ficou bestificado com o que vira: “Zangão” era um jumento manso, era ele quem puxava a tropa, como de repente se transformou naquela fera, então o matuto se aproxima de Bento, e. . .
- Oh moço, me diga uma coisa, o que foi que o senhor dixe no ouvido
do meu Jumento ?
- Eu só lhe disse que sua mãe havia morrido !
- Oxente homé, isso é lá noticia que se dê a um jumento carregado
de loiça ? ? ?