Cada um com sua escolha
Cada um com sua escolha
Maju Guerra
Há muitos anos atrás, a moça foi visitar uns amigos por uns dias. O lugar era pequeno, calmo, agradável, com pracinha, muitas árvores, coreto... Ainda se podia tomar banho de rio e de cachoeira, um paraíso longe da cidade grande.
Uma tarde, ao dar um passeio, ela notou um homem sentado em uma varanda de costas pra rua. Todo virado pra parede da casa, ele se sacudia na cadeira de balanço. A moça ficou estática, sem chamar a atenção, observando a atitude bastante esquisita daquele homem.
Ao encontrar seus amigos à noite, perguntou-lhes se sabiam alguma coisa sobre o estranho da cadeira de balanço. Para seu espanto, toda a cidade sabia. Eles, então, lhe contaram o caso.
O homem era Seu Tibúrcio, há um tempo voltara a viver na cidade de nascimento. De origem muito pobre, cedo se mudou para a capital. Depois de muito trabalho e das bênçãos da sorte, enricou como sempre pretendeu. Comprou uma boa casa lá no seu interior, deu de presente para a mãe e para a irmã. Montou também um negócio que garantisse o sustento das duas. Feito isso, ficou com a consciência limpa. Não voltou mais, nem ao enterro da mãe ele compareceu. Era agora um abastado cidadão do mundo. Sentia-se uma pessoa acima daquele lugar que, afinal de contas, não merecia sequer a honra da sua ilustre presença.
Criatura sovina, um misantropo, não se casou, dedicou-se a ganhar dinheiro e a emprestá-lo, virou agiota também. O tempo passou e, por uma série de caprichos do destino, ele faliu, perdeu tudo o que tinha. Sem casa, sem os raros amigos interesseiros, sem crédito, ficou com uma mão na frente e outra atrás. A irmã, comerciante bem estabelecida por seus méritos, ao tomar ciência do acontecido, apiedou-se do irmão. Conseguiu encontrá-lo jogado em uma pensão humilde da cidade grande. Pagou suas poucas dívidas e o trouxe, já adoentado, para o lugar que ele jurara nunca mais ver de novo. Seu Tibúrcio não teve outra saída, era a volta ou a cova.
Depois de curado, bateu pé e afirmou que não sairia mais da casa, dali só para o cemitério. Dito e feito, tornou-se um asceta insuportável. Apenas a irmã, criatura religiosa e de bom coração, o aceitava em nome da mãe. Outrossim, jurou que não mais olharia para a cidade e seus habitantes. Durante o período que, por ordens médicas, ficasse na varanda para tomar um pouco de ar fresco, permaneceria sentado de costas para a rua. Com certeza, ninguém iria ignorar seu total desprezo pelo lugar. Grande tolice, somente ele sofreria por causa da própria decisão equivocada.
Que história a do Seu Tibúrcio, comentou a moça ao final. Ele certamente sofrera um violento revés da vida, não havia quem o negasse, mas deveria lembrar-se das outras maneiras menos autodestrutivas de passar o restante dos seus dias na face da Terra. Facilitaria sua situação, caso se desse conta de que poderia estar morando na rua a mendigar o pão, e de até morrer como indigente. A generosidade da irmã deu-lhe a oportunidade de desfrutar de uma vida digna. No entanto, ele escolheu o caminho mais árduo. Com o coração cheio de amargura, propôs-se a esperar a morte maldizendo o que de bom ainda havia-lhe acontecido.
Pois assim foi. Ela constatou com tristeza que, nesse mundo de Deus, há pessoas que buscam voluntariamente o infortúnio. Pessoas que dão permissão para o bem-estar, tão próximo, escorrer por suas mãos, e se perder como a beleza de um pôr de sol ofuscada por uma nuvem negra de desventura.
De vez em quando, a moça gosta de lembrar do Seu Tibúrcio. É aconselhável não perder de vista que sempre existe uma melhor escolha, mesmo que todas aparentem ser as piores possíveis.
Maria Julia Guerra.
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