UM CAUSO DE ASSOMBRAÇÃO

Meu avo, que já partiu dessa para outra vida há muito tempo, foi quem me contou este causo de assombração que ficou guardado no meu pensamento ate os dias de hoje. Dizia ele que logo que casou, foi morar numa fazenda onde o seu trabalho consistia em cuidar do monjolo, ferramenta importante, pois, toda alimentação da casa grande e dos colonos eram produzidas na própria fazenda. Na época da escravidão, eram as negras do coronel que descascavam o arroz e o café no pilão, eram elas quem fabricava a farinha de milho, socando o cereal no pilão até se tornarem fubás. Porem com a abolição da escravidão, os negros se evadiram das fazendas da região, foi então que os proprietários contrataram mão de obra branca para a lida, entre as quais meus avos.

Da época da escravidão, ficaram gravadas na historia do povo, os fatos bárbaros que diziam ter acontecido, não só naquela propriedade, mas em todas as fazendas da região, assim, eram comum os causos de assombrações contadas entre os sertanejos menos cultuados, diziam eles ser os negros que voltavam do alem para atormentar os brancos, assim os novos colonos que ocupavam o lugar dos negros nas fazendas, ao chegarem a uma colônia já se inteiravam das historia do lugarejo e dos pontos mal assombrados. Assim meu avo que ao chegar nesta fazenda ficou sabendo que na região era comum aparecer um negro sem cabeça, soltando fogo pelo pescoço e abanando o chapéu. Associavam este episodio a historia de um negrinho que diziam ter sido decapitado por ordem de seu amo por enamorar de uma mucama da casa grande.

Fato é que certa noite Vovô ficou encarregado de ir ate o monjolo por volta da meia noite para desviar a água, pois na madrugadinha as mulheres iriam trabalhar o milho que estava sendo moído, para separarem a canjica e o fubá. Era uma semana de Lua Nova e a noite estava escura, mas ordens dadas, ordens cumpridas. No horário marcado, saiu ele de sua casa rumo ao monjolo, distante a algumas centenas de metros, mas no trilho que o levava ao monjolo deparou com o inesperado:- lá estava, a algumas dezenas de metro, o dito cujo negrinho sem cabeça soltando fogo pelo pescoço e de quebra, abanando o chapéu. Apesar de corajoso não quis enfrentar a realidade sozinho, voltou imediatamente para traz para “partilhar com a esposa o fato”. Assim ambos saíram rumo ao monjolo, mas lá estava, no mesmo lugar, o famigerado negrinho sem cabeça, soltando fogo pelo pescoço e abanando o chapéu.

Embora muito “corajosos”, poderiam ter seguido a caminhada, mas acharam melhor chamar uma testemunha para ver o episodio, assim voltaram para a colônia, Chamaram o compadre Otaviano, que diante do fato narrado, chamou mais dois vizinhos e rumaram para o monjolo. Dizia meu avo que, ao depararem com a assombração, as pernas queriam voltar para traz, mas seria uma patifaria muito grande tal fato: quatro homens barbados com medo de uma assombração! Medo de alguém que veio do alem somente para meter medo na gente! Assim empunharam um terço e com muita fé puseram a recitar o rosário e à medida que iam caminhando rumo ao negrinho, podiam o ver soltando faíscas de fogo pelo pescoço e abanando sem cessar o chapéu. Coisa medonha, mas foram caminhando lentamente até finalmente se deparem frente a frente com um toco de arvore, que tinha um buraco no seu centro e, como haviam ateado fogo na palhada para o preparo da terra, a noite com o vento, o toco pegou fogo novamente e estava em brasa que, agitado pela brisa morna da madrugada, espalhava faíscas pelos arredores. Ao lado, um pé de mamona abanava continuamente suas folhas ressequidas. Tal era a assombração.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 27/02/2010
Reeditado em 14/07/2011
Código do texto: T2109782