O olho bom
Fumava com tanto gosto que parecia ser o último cigarro da sua vida. A tragada foi profunda, a ponta ficou em brasa viva, depois olhou para a bituca, estava apenas no filtro, colocou-a entre o dedo polegar e o maior de todos e a arremessou longe próximo ao pé do muro, onde já haviam várias outras pontas apagadas. Só aí soltou a baforada de fumaça que vinha de dentro de seus pulmões. Dentes amarelados, também o bigode e os dedos, resultado de muitos anos de vício.
Olhou em redor, por baixo da aba do chapéu. Dali não conseguia ver direito sua próxima vítima. Tinha sido contratado para dar cabo da vida de um infeliz e esse estava dificultando o cumprimento da tarefa. Quando isso acontecia, ficava com mais raiva do futuro morto. Ao invés de tiro, fazia o serviço à faca só para ver o ‘cabra’ sofrer. Outra coisa, se o dito cujo chorasse ou suplicasse para não ser morto, primeiro Josiel cortava-lhe a língua, depois as orelhas, esperava um pouco, o tempo necessário para que o ódio passasse, e aí, mais calmo findava com o sujeito.
Triste fim aquele que caísse nas mãos de Josiel “dum olho só”, alcunha adquirida porque numa dessas investidas, o encomendado reagiu e por pouco não consegue fazer com que o matador de aluguel provasse do próprio ‘veneno’. Depois de invertida a situação, o valente dominado e sabendo que iria ser morto, não chorou, nem clamou por misericórdia, e Josiel valorizou o brio do homem, dizendo – “Cabra, tu é valente”, pena que te encomendaram, pois se não fosse assim seria um prazer tê-lo por perto – e num tiro certeiro a queima roupa bem no coração matou-o – Esse não merecia sofrer, disse.
Começou a andar, rodeava o muro da casa, tentando ver ser tinha uma forma de entrar sem ser percebido, já que a vítima estava dentro da casa, essa cercada por muro alto, cachorro bravo, coisas desse tipo. Não podia deixar escapar essa oportunidade. Tinha sido encomendada a morte com prazo de validade, ou seja, não podia passar de tal dia e tal hora, e estava se aproximando, faltava menos de duas horas.
O matador Josiel era cego de um olho, mesmo assim enxergava bem demais.
O indivíduo a ser ‘feito’ também não era lá essas coisas, enriquecera por meios escusos, muitas vidas tinham sido ceifadas para que ele conseguisse a quantidade de terras que tinha por aquelas bandas. Tinha também seus capangas, os guarda-costas do homem. Josiel tinha informação que nessa noite ele estaria menos protegido, mas isso não queria dizer totalmente, e qualquer erro poderia ser fatal. Nunca tinha falhado.
Para matar alguém primeiro ele obtinha informações principalmente os defeitos de caráter da vítima, e com isso matar ficava mais fácil. Nesse caso nem precisava disso, o futuro morto era por demais de ruim.
Esgueirando-se conseguiu entrar, não foi tão difícil assim, estranhou, agachado atrás de uma pilha de madeira sentiu-se seguro e bem colocado, fez mira, e agora era esperar. Paciência era a sua grande virtude, principalmente no seu ofício. – Dessa vez não iria ser à faca, que pena! Praguejou.
Era perto da meia noite, Josiel, começava a ficar impaciente, a falta do cigarro incomodava, e naquela noite parecia que incomodava mais – Estava ficando velho? Perguntou-se.
Resolveu acender o último cigarro solitário que tinha em seu bolso da camisa, antes de colocá-lo na boca, tinha a mania de rolá-lo entre os dedos e no último, subir até entre os lábios, agora secos.
Teria que soltar a arma para acender com a segurança necessária, pegou o fósforo, entre as mãos em concha, acendeu, antes que a chama tocasse a ponta do cigarro, um projétil vindo de algum lugar da casa veio acertar o olho bom de Josiel, que caiu sem sequer sentir o gosto daquela que seria a sua última tragada.