VIDA DE TIÃO

VIDA DE TIÃO

Tião possuía terra, casa, mulher e dois filhos,

Tião plantava, colhia e comia todos os dias,

Quão bom era o cheiro do mato verde e da terra moiada.

Seus filhos estudavam na escola do Sitio Novo.

Tião não conhecia computador, nem o ta de celular, só televisão.

Tião era feliz, sua mulher era feliz, seus filhos eram felizes.

Veio uma estiagem durante longo tempo, uma seca dunzinferno!

O campo verde, cinza ficou. A roça morreu, o gado morreu,

O cão sibita fino, fininho de magro morreu.

Tião tava com fome, seus fios, fiinhos também...

Ergueu as mãos pro céu com oiar perdido perdido.

Então Tião orou de joelhos no chão e pediu pra chover,

Era homem de fé, mas não choveu, nem uma gota caiu.

Um homem de terno e gravata ajuda ofereceu,

- Vende tuas terras por qualquer preço, um punhado que vale.

Vá para a cidade grande, compre uma casa e arrume um emprego.

Assim falou o “homem bom”, assim, pois, fez Tião.

Cidade nova, casa nova, televisão nova, mundo novo.

Tião quis conhecer um dito ta de Shopping Center,

Pegou “o bonde” com receio e foi desbravar a nova terra.

Negócio quente, muito apertado, gente esmagando gente.

Tião desce no centro da cidade grande:

Tudo era grande, tudo muito alto, tudo cheira a borracha queimada.

“É a ta da poluição que vi na televisão”

Tião tomou caldo de cana e comeu pastel,

Tomou coca-cola e Milk-shaky, e falou inglês.

Tião foi pagar a conta, mas não tinha bolsa nem dinheiro,

Nem documento – o 171 havia passado a mão.

Tião foi parar na detenção, ué, agora virei ladrão?

Tião ficou infeliz, não possuía terra, nem casa, nem mulher,

Nem filhos, nem liberdade, nem dignidade do homem da cidade.

Um homem sem terno, sem gravata e sem camisa, ajuda ofereceu,

Disse-lhe que levasse um ta de pó branco pra outro amigo seu,

Do outro lado do pavilhão, pois boa recompensa lhe daria.

O guarda da cela viu, coitado, solitária fria de tantas noites gemia.

Tião foi promovido a chefe de quadrilha de alta periculosidade.

Muitos e muitos anos se passaram, quando então Tião saiu da detenção:

Nada sabia, nada conhecia, nada possuía...

Tião se pôs a chorar, pois não havia mais como voltar.

Estava de cabelos brancos, rugas pelo rosto e pelo corpo.

E uma cicatriz profunda que não se via, mas que ainda doía.

De moreno, ficou amarelo. De reto, ficou cabisbaixo, triste e humilhado.

Foi andando, passando, pensando, pedindo, penando...

Ruas intermináveis, avenidas, asfaltos, estradas, rodovias, cidades.

Não se tem notícias de Tião, de João, de José, Josefino e nem do Seu Raimundo,

Do Antônio Francisco, Felisberto, Sebastião Filho, e também do Pedro, do Paulo,

Do seu Belarmino da vereda e de Dona Constância da coivara.

Leandro Dumont

14/05/2003.

Leandro Dumont
Enviado por Leandro Dumont em 14/02/2010
Código do texto: T2086658
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