DINÁ
Currais Novos, - RN. 01 de Outubro de 2005.
DINÁ
A rua 13 de maio estava um verdadeiro pandemônio, não que ela fosse uma rua tranquila, isso nunca ela fora de fato. Desde que seu Luquinha, que era quem vigiava a rua, passara desta para outra e só assim conseguiu enganar a insônia que o atormentara durante anos – vez e outra a rua ficava assim, cheia de gente querendo saber o que estava acontecendo. Coincidência. Isso a gente não sabe, mas certo mesmo é que a rua já não era mais a mesma. A quitanda do seu Luquinha nunca mais abriu as portas. A calçada virou ponto de encontro pra neguinho jogar dominó ou um carteado de mão apostado. A viúva vivia falando em cortar a oitizeira para acabar com a festa e a sombra dos marmanjos, como ela mesma dizia. Mas ouve quem protestasse em nome da natureza. Ela então desistiu da idéia sem muita resistência.
Naquele início de noite havia muito corre-corre na frente da casa da Diná e um carro da polícia com as luzes ligadas e uma das portas abertas, ocupando todo um lado da rua, a viatura parecia está esperando alguém entrar a qualquer momento. E estava mesmo. Os curiosos afunilavam-se para dentro do recinto, num entra e sai sem fim. O tumulto de curiosos aumentava à medida que o tempo passava, e logo começaram a correr as primeiras notícias, O Zeca nunca prestou mesmo, E a prima da Diná, uma boa de uma bisca, Será que foi só isso mesmo, Quem sabe, só Deus, Mas ele era mesmo casado cum ela, Que coisa horrível, parece coisa do demônio, coitada, Coitado dele que levou a pior.
A casa era pequena, dessas como tantas outras casas pequenas com dois quartos, sala e cozinha, piso acimentado e bem encerado, limpinho que dava gosto de se ver. A pouca luz aumentava o ar de mistério que se fundia à penumbra da noite no final daquela tarde. O policial pedia licença, meio irritado, para que as pessoas se afastassem do local do crime, alegando que desse jeito não dava, as pistas seriam mascaradas, tinham que esperar primeiro a perícia chegar, Ora, mas que diabos, até a arma do crime sumiu. Sai todo mundo pessoal, senão vai sobrar pra ocês também. Lá dentro, Diná, num cubículo de dois por dois, se debatia bravamente aos berros, nos braços de dois “polícia”, Me solta seu samango fedorento, eu não vou, Olha dona, se a senhora não for por bem vai por mal, disse o guarda segurando fortemente o braço da suspeita, A gente não tá aqui pra machucar ninguém, só queremo fazer nosso serviço, Vai logo cum eles, Diná, é melhor pra você, mulher, a vizinha amiga falava em tom implorativo tentando acalmar a amiga.
Diná parecia não querer acreditar no que estava acontecendo. Seu filho completara três aninhos na semana passada e a casa era toda alegria, cantaram parabéns e tudo correra às mil maravilhas, a casa ainda cheirava à festa. Agora, aquele choro de criança era de partir o coração. Insuportável mesmo para os ouvidos da mãe, duplamente ferida na alma e no coração. Os olhinhos e o corpinho escondidos por detrás da porta, choramingavam entre soluços sem se conter. As pernas compridas do povaréu tiravam sua vista, mas podia ouvir os gritos lastimosos da mãe, o coraçãozinho palpitava forte em meio ao abandono e solidão, não eram gritos de ralhar, do tipo quando saía às escondidas pro quintal de dona Cota, pra caçar gafanhotos e fazer carrocinhas com as caixas de fósforos. Nem sempre as caixas estavam vazias, daí ter de desocupá-las, jogando os fósforos fora. Era uma ótima idéia, mas a mãe não gostava, sempre lhe dava umas boas palmadas depois de ralhar, sem razão alguma, e prometia uma palmatória da próxima vez. Tudo bem, não faltavam boas idéias mesmo, troca-se o fósforo pela caixa de creme dental, com uma vantagem, a pasta poderia ser provada antes de ser esmagada pela cozinha toda, novas palmadas, ameaças e mais castigos, doíam-lhe as pernas e principalmente as partes de sentar. O dia inteiro trancado dentro de casa, choro sem fim de nada adiantava, a sentença fora executada. Mas agora essa dor era diferente, doía dentro do corpo todo, e não saia com o choro. Dor de medo de ficar só. Meu filho, meu menininho não pode ficar só, Não se preocupa dona, a gente cuida dele, se ele não tiver cum quem ficar, nenhum parente pra olhar ele, aí o juiz é que vai decidir. Deixa que eu olho, falou Aninha sua amiga e vizinha de tantos anos, mesmo sem pretender ficar com o menino, naquele momento precisava dizer alguma coisa, qualquer coisa, e disse. Diná estava inconsolável e dizia sem parar, É tudo que tenho, é tudo que tenho, E eu não sei Diná, disse a amiga, Vá mulher que eu chego já lá cum advogado.
Diná finalmente acabou por concordar em entrar no camburão, estava exausta. Não lutara por si, que era uma desgraçada, mulher sem sorte alguma com os homens, cabocla feia, pois que fosse assim mesmo, não se importava mais com nada, mas com o filho, um tiquinho de gente indefeso, num mundaréu de gente perdida, traiçoeira. Ai, que desgraça que aquele homem infame trouxe pra minha vida, caia-lhe agora uma imensa tristeza ao pensar no filho, uma angústia dolorosa que vinha do fundo do peito, uma calma quase hipnótica, calma não, tristeza mesmo, dessas de causar dor no peito de verdade, não tinha forças para levantar a cabeça, e sua vida, e sua vida, e seus pensamentos agora eram como a um filme, em preto e branco, longe e nostálgico. Não era ela verdadeiramente que estava ali, não podia ser. A imagem do filho chorando e chamando por ela, aquilo era de dar pena, de cortar o coração mesmo. Não fosse pelo safado do Zeca, não estaria nesta confusão, o marido, a quem ela chamava pelo apelido carinhoso de Amor. Agora, era só lembrar o nome do safado e vinha uma raiva, raiva não, ódio mesmo, vontade de matar, esganar aquele miserável filho de uma puta, matar mais de uma vez, MATAR, e lhe vinham os piores nomes na boca.
Não quero fazer mais mistérios, é que sou muito impaciente mesmo e só começo as histórias pelo final, mas deixa estar que já explico tudinho como manda o verbo. Foi assim:
No mês de dezembro as pessoas ficam mais alegres e eufóricas, mais filantrópicas, educadas e cheias do espírito natalino. Compram o que acham pela frente. Se Veem mulheres com pacotes e mais pacotes, sacolas dependuradas pelas mãos e os filhos segurando-lhes as barras das saias, ou sendo arrastados pelas pontas dos dedos de uma das mãos enquanto a outra, melada, segura um picolé. Feliz Natal, ouve-se daqui e dali uma canção que teima em não querer parar num zumbido interminável. Rô rô rou, um Papai Noel tenta animar uma criança que aos berros implora pelo presente que queria ganhar, ali mesmo em frente à loja, um carrinho de bombeiro automático, todo vermelhinho, mas o Papai Noel não deu. Todos estão sempre contentes sem saber ao certo o porquê. Talvez porque o Natal seja uma data linda demais para alguém se aborrecer por qualquer coisa, mesmo quando o Papai Noel não vem deixar o seu presente. Aliás, eis uma coisa que eu nunca entendi direito, o Papai Noel só me visitou duas vezes durante toda a minha infância, e nunca me deu a bicicleta que tanto pedi em todas as minhas cartas, e olha que foram muitas e com tanta insistência que só Deus sabe. Tive que me contentar com um jogo de xadrez. Já na casa do Morinha, que tinha uma casa bem maior que a minha, todo ano Papai Noel deixava uma bicicleta para cada um dos irmãos, até o Edson, que só tinha quatro aninhos e nem sabia pedalar, mas ganhou uma Monarque, dessas que tem rodinha dos lados e tudo. Isso não tem nada a ver com a história, eu sei, só queria desabafar um problema de infância mal resolvido, voltemos ao que interessa.
Diná tinha que chegar mais cedo em casa, para fazer compras também, prepara para a festa de aniversário do Rairzinho, ir ao cabeleireiro e manicura, queria ficar bem bonita naquela noite de sexta praquela prima chata não ter o que falar, mesmo assim, sabia que não conseguiria escapar de todos os comentários, Nossa, como você ficou magra com este vestidinho, Você fica muito bem de salto, parece até mais magra, mais alta, e assim por diante. Tudo bem, ela que se cuide, pois tá é ficando pra titia de tão feia e chata. Não agarra home nem pra criar, Deus queira que ela não teja no salão da Margô, ajeitando aquele pixaim repuxado, quase ia me esquecendo da Margô, aquela é outra ingrata, é bem capaz de não ter paciência de esperar e acabar colocando outra na minha vez, não faz mal não, cabelo não é brincadeira, é difícil encontrar gente de mão boa pra cortar, espero o tempo que for, só saio de cabelo pronto e unha feita tudo pela Margô.
Uff, só uma sexta é pouco. Nossa, já são duas da tarde, Diná apressava os passos com um nó nas tripas de tanta fome, não podia nem sentir cheiro de comida que salivava. Parou pra comer alguma coisa e continuou. Foi assim durante todo o dia, só muito cansaço no corpo e uma satisfação de missão cumprida ao final do dia.
Quando a noite mal começa, ela já está pelos cantos da casa, procurando um lugar para descansar, sem muitas vontades, de corpo mole. Sentada em uma cadeira com seus sessenta e sete quilos, Diná é uma mulher relativamente baixa, não, essa coisa de relativamente baixa não existe, ou é ou não é, e Diná definitivamente é, e isso a torna uma mulher gorda, mas tem o rosto bem jovem e está sempre alegre, e não estou falando isso só para compensar, ela gosta de ajudar os amigos, por isso sua casa está sempre cheia de gente, agradecendo algum favor e se aproveitando de outros, ela não gosta muito, é tímida, fica com a pele do rosto vermelha.
A festa começa ao som do violão do Chico Zé, lá da quinta do Chicô. Depois a moçada toma conta e só deu LP com música POP pra dançar solto, depois, já muito depois, era hora de dançar colado sob efeito das batidas-de-maracujá, hora esperada com certa ansiedade. Vamos dançar Diná, estendeu à mão o Zeca, Eu trabalhei o dia todo, tô muito cansada, Diná respondeu com enfado, Toma um bate-bate ou um leite-de-onça pra animar, insistiu desejoso o rapaz, Agora não amorzinho, Tá bom, pois eu vou dança com a Júlia, sua priminha querida, ironizou, Vê lá em, advertiu a moça sem muita convicção. Zeca e a prima de Diná eram muitos amigos desde criança, não havia ali becos ou ruas que não tivessem sido explorados pela infância dos dois, costumavam, ao saírem para o colégio, desviar caminho para o rio Poti. Levavam roupas de banho dentro das mochilas, bem escondidas. Depois de alguns mergulhos vestiam-se rápido e saíam ainda com as roupas molhadas, sacudindo os cabelos para que secassem ao vento. Brincavam de pega-pega e corriam até cansar. Era assim a manhã toda. Vadiagem e mais vadiagem. A hora de voltar para casa era a fome que não agüentavam mais. Estudar, bem, estudar fica pra depois, que agorinha mesmo, não carece não. Este era o segredo dos dois, compartilhado com grande cumplicidade e que os unira para sempre na infância e nos dias de hoje. Quer dizer, hoje mudou um pouquinho só, porque Diná tem ciúmes. Claro, Diná não revela em palavras para não dar gostinho à prima que é muito cabida, mas percebe-se pelo olhar de desprezo e as rabanadas de desdém com a cabeça.
A noite toda houve muita dança, muita alegria, gritos e bebedeiras. O aniversariante fora se recolher logo cedo, depois que o bolo fora devorado vorazmente por um bando de crianças que se dispersaram em seguida, cada qual com um prato e um copo de refrigerante. Não houve querelas entre os pestinhas, só o Rodriguinho teve que mostrar quem manda e deu uns sopapos na irmã mais nova, choro e mais choro, a mãe resolve tudo dando uma palmada em cada um, novamente choro e mais choro. Os convidados vão aos poucos se despedindo, um a um desaparecem ao longo da rua, até que a casa ganha sossego de um dia comum. A limpeza fica para o dia seguinte agora era só deitar e dormir. O Zeca bem que tentou aliviar o tesão, mas foi barrado pelo cansaço da esposa e optou pela solidão do banheiro fétido da casa.
Naquela terça-feira, Diná falou com a patroa para não trabalhar à tarde, passou a manhã inteira imaginando o que falar, pois não fazia nem uma semana que ela precisara pedir para sair mais cedo, ficou sem jeito, detestava ter que pedir, mesmo sabendo que dona Solange não era mulher de negar, exigente sim, mas não de negar pedido. Sabe dona Solange, eu tô querendo pagar umas contas e fazer mais umas comprinhas hoje à tarde, será que eu posso sair depois do almoço, Claro Diná, mas deixa tudo limpinho, que eu também vou sair, e acrescentou, Eu também sou filha de Deus, e sorriu matreira ajeitando os cabelos, Obrigada mesmo dona Solange, Deixa de conversa, menina, sei como as coisas são no Natal, uma trabalheira danada, pode ir, quando acabar com as louças, ah e vê se não deixa resto de comida em cima do fogão, Pode deixar que eu dou um jeito. Ainda ontem mesmo eu fui à rua, se tivesse me falado tinha deixado pra ir hoje com você, completou Solange, Obrigada assim mesmo, eu me viro, respondeu Diná. Detestava quando ela dava essas ordens óbvias, mas sempre ficava calada, engolia tudo em nome de uma boa patroa, afinal de contas emprego estava cada vez mais difícil, bom então nem se fala. A euforia de sair mais cedo toma conta e o trabalho agora é acelerado. Diná é uma mulher forte, trabalha com vontade, com vida, não faz corpo mole. A vida não lhe dera nada de graça, ao contrário, teve que sair logo cedo de casa,não por vontade, mas por obrigação. Foi uma sensação de medo e de incertezas. Medo do que teria que enfrentar e incerteza de uma liberdade que nunca teve. Mas agora a decisão estava tomada, diante de uma família perplexa, não exatamente por sua decisão, que até fora bem recebida pelo pai, mas por uma gravidez inesperada que teria que assumir sozinha. Foi muito difícil ter que morar de favores com a tia até que a criança nascesse e ela tivesse condições de morar sozinha com o Rairzinho, seu filho. Foi aí que ficou amiga da Júlia, sua prima e conheceu o Zeca, sujeito bem comum, com jeito cafajeste de quem gosta de conversar e falar somente o que o outro quer ouvir. Fazia sucesso entre as mulheres, principalmente com as que estão com a vida fragilizada, aconteceu com Diná. Mas ela fora vencedora até então.
Meio dia, tudo já estava prontinho, prontinho, e lá se foi ela.
Diná corria pela rua Álvaro Mendes para ganhar tempo. Passa entre as pessoas como se fosse jogador de futebol, daqueles que não passa a bola pra ninguém. Seu corpo cansa rápido, por causa do excesso de peso, esbarra nas pessoas, tá doida, não olha por onde anda, desculpe moço, quer comprar esse jogo de cama, ofereceu o camelô, outro dia, hoje tô com pressa,droga esqueci o carnê em casa, lembrou aborrecida.
Sol quente, muito calor. É um dos meses mais quentes em Teresina, chega a 45°C ao meio dia, é insuportável mesmo. Diná atravessou a rua e pegou o primeiro ônibus que ia rumo à Vila Operária. O ônibus estava lotado, muita gente se esfregando, um cheiro forte de suor, e uma expressão de cansaço em cada rosto suado, ombros caídos de enfado. Queria chega logo em casa, aproveitar para tomar um banho e trocar de roupa, pagaria as contas quando voltasse do almoço, ia aproveitar para dar um beijo no Rairzinho e outro no seu “Amor”. O ônibus Mal parou e ela já estava com o pé no chão, correu mais três quarteirões e chegou em casa, Cheguei, chamou em voz baixa sem querer fazer muito alarde. Àquela hora o Rairzinho já deveria está dormindo e não queria acordá-lo. Ouviu risos de mulher e pensou em sua amiga Aninha, uma mão bondosa que sempre que podia dava uma ajuda,não deixando o Rair ficar sozinho, levando-o pra sua casa e cuidando como se fosse seu próprio filho, nunca iria poder pagar todos esses favores, mas Deus iria protegê-la pro resto da vida. A porta estava trancada, Diná tinha sua chave. Entrou devagar e não viu ninguém na sala, mais risos e gemidos, seu corpo foi invadido por um frio tétrico vindo do fundo da alma, reconhece a voz da prima, seu corpo estático, pesado, paralisa-lhe os pés, tudo estava acontecendo muito rápido, uma avalanche de pensamentos toma conta de sua cabeça. O riso de mulher cada vez mais alto ecoa por todas as sombras da casa. Parada diante da porta do quarto, reúne todas as forças, empurra a porta lentamente e tudo se apaga num mundo de vertigens e sonhos, sua cabeça gira, seu corpo pesado cai, um baque surdo ao chão denuncia sua chegada, Diná desmaiou numa mistura de saúde e sentimentos. Alguns minutos depois, com dor de cabeça, ela acorda em sua cama “naquela cama”, foi um sonho, só pode ter sido um sonho ou um grande pesadelo. Tome, Diná, essa água vai fazer bem pra você. “Amor” falava como se nada tivesse acontecido, ela só queria acordar daquele pesadelo, aquela dor desesperada dentro do peito, ia explodir de tanta angústia, sentiu que ia chorar, mas não devia, não chorou, vontade de vomitar e vomitou, queria tirar aquela ânsia de dentro do peito, o desespero, a traição, e por fim a vingança, a vingança, a raiva, o ódio. A angústia virou trama. Não era sonho, e um pensamento macabro sem sentimentos de culpa invadiu aquela pobre alma. Diná era um bicho raivoso, em um segundo, tudo muito rápido, infalível e mortal. “Amor” não teve tempo de reagir,não pôde nem sequer se mexer, o metal frio atravessou a pele fina do pescoço, só uma expressão de dor nos olhos arregalados, levantou da beira da cama cambaleante, sem rumo, rosto apoplético de terror e medo da morte. Um grito abafado de socorro quase inaudível. Dois passos foi tudo que pôde andar antes de receber uma segunda e uma terceira tesourada nas costas, depois caiu como um porco em misericórdia e estirou as pernas trêmulas. A tesoura estava no criado-mudo ao lado da cama, antes, um objeto inofensivo do trabalho doméstico. O lençol branco tingido de um vermelho púrpura fora arrastado pelo chão, preso às mãos da vítima que tentava conter a dor desesperadamente, foi ficando parado, quieto. Um corpo, um alívio, uma solidão, um desolamento, uma tristeza profunda, minutos eternos, horas eternas, o tempo. Quis chorar, e chorou. Soluçou e depois vomitou no piso encerado, olhar catatônico, sorumbático, fixo. Finalmente se ouve um choro de criança ao longe que acabara de acordar no quarto ao lado, ouve-se um nome familiar, o seu nome. A luz do quarto se acende e entre dedos vacilantes esconde-se um rosto de mulher apagado, inerte, fleumático. Vozes ao fundo falando sei lá o quê, o vizinho chegando, não sei quem mais chegando, os curiosos chegando, os gritos espantados chegando, uma sirene ao longe, não sei, talvez talvez. A senhora vem com a gente dona.
Leandro Dumont
01/10/2005