A PROCISSÃO DE SÃO EXPEDITO

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Lourival eraum lavrador, cujapobrezanão o impedia de serfeliz, emcompanhia de suamulher e de seucasal de filhos.

Comosempre fazia, Lourival levantou-se de madrugada, pegou sua enxada, colocou sobre os ombros e ia para o trabalhoquando sua mulher lembrou de que, naquela noite, haveria a procissão de Santo Expedito e queele tomasse o cuidado de não se atrasar. O lavrador prometeu quenão se atrasaria e partiu para o trabalho.

Ao meio-dia, Lourival resolveu procurarumbomlugarpara comer o "sustento" da marmita, e descansar um pouco. Adentrou a mata e logo encontrou uma frondosa árvore que lhe oferecia um lugar confortável e fresco. Acomodou-se ao pé da árvore, abriu a marmita e pôs-se a comer. Enquanto comia verificava o local. De repente, parasuasurpresa, deparou-se em uma árvore próxima, com doisvelhos, sentados sobrepedras, jogando baralho; estavam tãoabsortos, emseujogo, quenemsequer perceberam o lavrador.

Lourival aproximou-se deles, cumprimentou-os e comoestesnãolhe corresponderam, não quis insistir, contentando-se em sentar-se, porsuavez, sobre uma pedra. Sentia-se de maneiraestranha, fascinado pela forma como os velhos jogavam o baralho, tantoque chegou a esquecercomque finalidade adentrara a mata. Percebendo que, de vezemquando, os doishomens estendiam a mãopara uma sacola, retirando dela uns bolinhos, e, comendo-os, também fez o mesmo. Notou que aquele alimento saciava a fome e a sede, como ele tinhasede e fome, pois não terminara seu almoço, serviu-se largamente dos bolinhos. Achou estranho o fato de quando ali chegou, os velhos não tinham barbas. Agora aparentavam barba curta e rala.

Surpreendido, exclamou:

— É inexplicávelquebarbas possam crescer, emtãopoucotempo.

Então, pelaprimeiravez, um dos velhos falou:

— Há quantotempoachasque está aqui?

— Uma meiahora – respondeu o lavrador.

— Poisbem - disse o ancião – também pode serque se tenham passadosdias, ou meses, ouanos, atémesmoséculos. É uma coisaque acontece quando se come desse bolinho. Se não acredita, volta ao teu vilarejo e verifique vocêmesmo.

Lourival precipitou-se mata a fora. Enquanto corria, pensava quetudo fosse uma ilusão, porém, assimque foi aproximando-se do vilarejo, viu queondeoutroraforalindoscampos surgiam agora grandesruas e casas. Não havia dúvida, muitosanos acabavam de se passar, como se fossem minutos.

Apesar disso, lembrou-se que naquele diatodos se preparavam para a procissão de Santo Expedito. Encheu-se de esperanças. "Talvez — disse eleconsigo — eu esteja sob a influência de uma alucinação;jáque a procissão vai sair daqui a pouco, nela irei livrar-me desse mal."

A esperança, entretanto durou pouco, não conseguiu localizarsuaprópriacasa: ninguém sabia dar-lhe notícias de suafamília, nemmesmo encontrou alguémque a conhecesse. Tomado de imensa dor, Lourival vagava, semrumo, pelas ruas, como se estivesse emtransehipnótico. Quefazer?

Eraquasenoite, a procissão começava a adiantar-se pelas ruas da agora cidade. O oscilar de milhares de velas, enchia de pontosluminosos as sombras do crepúsculo. Ouvia-se o rumor dos péssobre as calçadas, e o ritmo dos cânticos religiosos. O lavrador, comprimidoentre a multidão, sentiu o pranto subir-lhe à garganta, umprantotãoamargoque lhe ardia nos olhos.

Subitamente, uma velha colocou-se junto dele. Para o lavrador era uma dádiva, uma possibilidade de sair de suahorrívelincerteza. Porela soube quemuitosanos haviam se passado. Contou-lhe a anciã que ouvira da avó, quandoelaeramenina, o caso de um lavrador quefora encantado pelos bruxos do bosque, deixando suaesposa e filhos na maiscompletamiséria. Que, daquele diaemdiante, todos os anos, seguiam a procissão, como recordação do tristefato, uma mulher, ummenino e uma menina, levando nos ombros uma enxada, a fim de advertir a todosparaque tomassem cuidado com os bruxos da mata.

Taispalavras atiraram Lourival no maisnegrodesespero. Desanimado abandonou a cidade e voltou à mata. Os velhos continuavam emseujogo. O lavrador suplicou-lhes ajuda, pois, estava naquela situaçãoporculpa deles. Os velhos pareciam nemmesmo ouvi-lo. Tratava-se, semdúvida, de espíritosmalignos, que se divertiam comsuadesgraça. Mas, Lourival tanto insistiu que, de má vontade e apenaspara se verem livres dele, os bruxos disseram-lhe que havia uma bebida, que tinha a virtude de dar a eternidade a quem a bebesse. Lourival disse-lhes quenão desejava vivereternamente, e simvoltar ao tempoemque os havia descoberto. Azucrinou tanto os velhos, queestes acabaram por dar-lhe um manjar com a qual obteria o que desejava. Lourival pôs-se a comê-lo com avidez. A medida que comia, um pequeno buraco abria-se no solo próximo a seus pés. O lavrador espiou por ele e, eisque viu, claramente, a cidadequeanteriormenteforasuaaldeia; as casas, o campo, as ruas. Tudo exatamente como havia deixado no diaque desaparecera. Alem disso, viu suamulher e seusfilhos. Esperavam-no com as velas, prontospara a procissão. Lourival não pode conter as lágrimas de tornar a vê-los e, ao mesmotempo e, sobretudo, pelador de os ter perdido. O lenhador continuou a comer o manjar e o buracoporondevira a aldeia foi aumentando, atéchegar a ser do tamanhonatural. Lourival viu-se diante de suafamília, que o aguardava como se nada tivesse acontecido.

— Porque demorou tanto? – perguntou suaesposa.

Lourival abraçou a todos, emsilêncio, sufocado por uma profundaemoção, massemdesejarqueela transparecesse. Tomou comtoda a naturalidade, a vela queseufilho guardara paraele, e com os três encaminhou-se para a procissão, que começava a chegar, com o rumor de passos, e o ritmo dos cânticos religiosos. ®Sérgio.

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Nota do Texto: Esta história foi extraída e adaptada de um conto popular chinês, intitulado "A Festa das Lanternas".

Agradeço a leitura do texto e, antecipadamente, quaisquer comentários

Se vocêencontrarerros (inclusive de português), porfavor, meinforme

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 10/02/2010
Reeditado em 08/05/2013
Código do texto: T2080650
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