COISAS DO INTERIOR - O milagre

Festa do interior. Ah, que coisa boa! Banda de música, parque de diversão, foguetório, muita comida, procissão e tantas outras festividades típicas, que hoje só têm espaço na memória de quem já as viveram.
Neste saudosismo bucólico, próprio de aposentado sem muito que fazer, lembrei-me de um caso que aconteceu numa cidadezinha histórica aqui de Minas, da qual não citarei o nome, para resguardar sua memória e evitar um possível mal-entendido.
Era um daqueles dias festivos que aconteciam por ocasião do aniversário da cidade, que geralmente coincide com o dia da padroeira. Naquele ano, havia na festa uma grande novidade: um rodeio, com muitos touros e cavalos bravios a desafiarem os corajosos peões e fazerem a alegria dos espectadores.
A procissão, o evento mais esperado da festa, saía da igreja matriz, dava um grande giro pela cidade e retornava à origem, sempre acompanhada por muitos fiéis, curiosos e a indispensável banda de música. O sacristão, caboclo alto, franzino, ia na frente, empunhando um pesado crucifixo, numa cruz quase da sua altura. Atrás, seguia o andor enfeitado com todo esmero, tendo no centro a imagem da padroeira, carregado pelas principais autoridades e pessoas importantes da cidade, seguido pelo padre, beatas, banda de música e pela multidão de fiéis.
Desfilava solenemente a procissão pelas estreitas ruas de pedras centenárias, na mais absoluta normalidade. A banda tocando, as beatas rezando, os curiosos conversando, os fiéis acompanhando e os mais indolentes e idosos nas casas apreciando. Quando o cortejo subia uma ladeira, próxima ao local do rodeio, ouviu-se um alvoroço e, de repente, surgiu um touro furioso correndo ladeira abaixo, em direção à procissão. Foi um deus-nos-acuda. Gente correndo, gente rezando, gente gritando, gente chorando, num desesperado salve-se-quem-puder. Numa ordem inversa, a multidão se atropelava ladeira abaixo, seguida pelos músicos, pelas beatas, pelo padre e pelas pessoas que carregavam o andor, que o colocaram no chão e também deram nas pernas.
O sacristão, que ia na frente, não tendo como correr, porque o andor ocupava toda a rua atrás de si, ergueu o crucifixo o mais que pode e permaneceu firme. O touro, assustado com aquela balbúrdia interrompendo a rua à sua frente, estacou-se de repente e, num rodopio, bateu em retirada.
Passado o susto, veio então o alívio. As beatas, retornando ao local da cena, começaram a gritar: milagre, milagre! O boi temeu a cruz e foi embora! E o povo estupefato, acreditando tratar-se realmente de um milagre, seguiu em coro.
Então, o padre aproximou-se do sacristão e, levado pelo coro das beatas, disse-lhe afetuosamente:
Meu filho, a sua fé evitou uma tragédia! Você ergueu a cruz e fez o boi parar! Você foi muito corajoso e também de muita fé!
De pronto, o sacristão, ainda meio trêmulo, respondeu:
Fé nada, sô padre! Eu armei bem a cruiz pruquê se ele vem, eu dava nele uma CRISTADA que era uma só!